Enquanto muitas famílias comemoram estar realizando o sonho da casa própria, outras vivem a infelicidade de não saber para onde ir. No último dia 11 de março, quase mil unidades do programa federal de incentivo à habitação – o Minha Casa, Minha Vida-, foram entregues a homens e mulheres de Rio Branco.
A cerimônia de entrega, ocorrida na Cidade do Povo, localizada às margens da BR-364, em Rio Branco (AC), contou com a presença da presidente da República, Dilma Rousseff. Em meio a aplausos e gritos, a chefe do Executivo Federal foi ovacionada por correligionários, fãs e diversas famílias que, entre tantos contemplados com uma residência, clamavam por uma casa.
Esta reportagem vai falar sobre a vida de pessoas comuns que já procuraram por diversas vezes o poder público para apenas reivindicar o “direto” à moradia, a um lar, e ao bem estar. Nesta reportagem, seis mulheres diferentes. Elas têm o mesmo sonho. São mães distintas, mas com o mesmo objeto de desejo. Seis acreanas que vivem um mesmo drama, dia após dia.
De acordo com a mulher, a família vivia num apartamento que fica no bairro Cidade Nova. Durante a cheia do rio Acre, iniciada há cerca de 20 dias, o espaço foi tomado pelas águas do manancial, fazendo com que Maria e os nove filhos saíssem do apartamento e fossem para o abrigo público montado numa escola localizada no 2º Distrito de Rio Branco.
Mas, Maria foi informada que não poderia mais retornar para o condomínio em que vivia por estar há quatro meses com o aluguel atrasado. “Eu já nem tenho um lugar para a gente ir. Meus filhos não tem casa. Eu não sei para onde vamos. Fui despejada do apartamento da gente porque estou há quatro meses atrasada com o aluguel. Meu Deus! Eles [coordenadores do abrigo] já disseram que vamos logo embora. Quase todo mundo já tá saindo (sic)”, comentou a mulher.
Segundo a diarista, a situação financeira da família é crítica. Uma das filhas é portadora de necessidades especiais. Maria recebe um benefício da União para ajudar nas despesas de casa, mesmo assim, ela conta que o salário mínimo é pouco para manter toda a família. Ainda segundo a mãe, com filhos menores de idade, fica complicado ter um complemento em dinheiro, já que as empresas se recusam a contratar um dos filhos, de apenas 16 anos.
“Olha: ou a gente come, ou eu pago o aluguel. Eu pagava 450 reais. Você sabe que tudo é caro, ainda mais quando a gente tem nove filhos. Minha prioridade é e sempre serão meus filhos. Eu crio eles e preciso cumprir com meu papel de mãe. Não posso fugir disso. Eu recebo um salário dessa minha filha, dessa benção, que tem paralisia. Eu cuido dela e sempre faço uns bicos. Mas é complicado. É muito pesado só para mim”, explica.
De acordo com Maria Conceição, se lhe fosse dada uma casa nos conjuntos habitacionais da cidade, seria tudo muito mais prático. Ela já faz planos com uma possível seleção da casa, e diz como resolveria a parte financeira da família. “Primeiro: se eu ganhasse essa casa, eu ia ter o dinheiro que hoje eu gasto de aluguel para arrumar a minha casa e aumentar ela. Ai teria mais um quarto para os meus filhos. Como a casa seria minha, eu ia puder fazer isso. Ia ser ótimo. O resto a gente resolvia. Tendo a casa, que é meu sonho, seria uma benção (sic)”, argumenta.
Durante a entrevista, a mãe contou que teria sido, no ano de 2009, sorteada para morar em uma das casas oferecida pelo governo do estado. Uma ligação de funcionários da então Fundação do Bem Estar Social do Acre, – a Funbesa-, atualmente chamada de Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDS), confirmou a notícia.
Maria diz que a promessa “era de que a casa seria entregue em 20 dias, e eu poderia me mudar, mas até hoje, nada. Já passaram seis anos aí e nada. Eu já fui atrás várias vezes, mas uma moça me disse que como eu mudei de casa, eu perdi o meu direito. Como que eu perdi? Você sabe que quem mora de aluguel é assim. Eu fui para um lugar que era mais barato. E eles me disseram que eu perdi o direito de ter uma casa. Isso é um absurdo”, reclama a acreana de 42 anos.
Numa situação semelhante, vive a autônoma Regiane da Silva Ramos, de 36 anos. Divorciada e mãe de um jovem estudante universitário, a mulher teve novamente o apartamento onde vivia alagado pelas águas do rio Acre, na região do bairro VX, em Rio Branco (AC). Na casa da mãe, que também foi tomada pelas águas do manancial, ela mostrava a altura em que a lamina d’água chegou: 1,80 metros, dentro da residência.
Segundo Regiane, a inscrição para tentar uma casa do governo foi realizada no ano de 2009, quando promovido um mutirão que pretendia cadastrar as pessoas que, posteriormente, seriam encaminhadas para a Cidade do Povo, projeto que a época ainda estava no papel. Naquele momento, não havia necessidade de passar por sorteios, mas era necessário apenas o cadastro e aguardar ser chamado.
“Eu fiz minha inscrição aqui na escolar pertinho da casa da mãe. É ali na Cidade Nova [bairro da capital acreana]. De lá para cá, só atualizei os dados mesmo, porque me chamar que é bom nada. Já procurei saber várias vezes, mas ninguém sabe ao certo quando serie chamada pela secretaria lá”, lamenta a mulher.
Ainda de acordo com Regiane, “meu apartamento alagou tudo. To aqui na minha mãe, mas preciso sair daqui logo. Ela não tem como segurar tudo. Eu não sei como vai ficar minha situação. Nós perdemos muitas coisas nessa alagação ai, muita coisa mesmo”, comenta a mulher que se diz “frustrada por não ter uma casa própria e passar sempre pela mesma situação, todo ano”, lembra emocionada.
A mulher se diz “decepcionada” com os trabalhos do governo para entregar as casas. Segundo ela, “toda vez eu vou lá, e eles dizem que preciso ficar esperando” e “agora o governo entregou várias casas para um monte de gente que acabou de ser cadastrada e a gente que está há anos não é chamado. Quando eu me inscrevi não precisava desse negócio de sorteio, era só os critérios, mas eles me dizer que preciso ser sorteada”, explica Regiane Ramos.
Quando uma casa é atingida pelas águas de um rio, e a estrutura física fica comprometida, o Corpo de Bombeiros elabora laudo e proíbe que a residência seja ocupada por famílias. Isso é um pouco da história de Marília Isvete, uma evangélica que ajuda dependentes químicos e alcoólatras pelas madrugadas. A mulher conta que já foi sorteada, recebeu visita da assistência social, precisou sair de casa, mas que, até agora, a casa a que tem direito ainda não foi entregue.
“Eu já fui até sorteada. Eles é que não me entregam essa chave. A desculpa é sempre de que o contrato não ficou pronto e que a Caixa precisa liberar os documentos. Tudo que eles pedem, eu faço. Tudo!”, comenta ao dizer que a casa em que vivia “ficou totalmente destruída pelas águas. Um pouco do que eu tinha, as águas destruíram. O resto, roubaram. Eu não tenho para onde ir. Minha casa foi embargada em 2013”, conta.
Segundo Isvete, a vida dela é de muita preocupação no dia a dia. A mulher não tem casa para morar e dorme de favor em residências de amigos e familiares. “Eu agora to aqui, to ali. Durmo na casa de irmãos da igreja, de amigos. To ali no Recanto dos Buritis. Lá é um quartinho e vou ficar lá por uma semana”, diz a mulher.
“Depois, não tenho para onde ir“, afirmou ela antes de dizer que “o pessoal [do Corpo de Bombeiros] já me procurou para derrubar minha casa, porque tava servindo de local para uso de drogas, mas eu não permiti porque eu ainda não recebi a chave da minha casa”, lembrou.
Isvete esclarece que está “procurando recursos para mim morar. Eles [Sehab] disseram pra eu não procurar a Caixa Econômica. Eu acho que assim: tem tantas pessoas que não precisam; a gente vê gente que já tem casa própria, e eu não tenho para onde ir no momento, porque eu sou separada (…) Pelas coisas que acontecem aqui no estado mesmo. São coisas que a gente muitas vezes nem acredita que está acontecendo. Uns tem ajuda e outros não. Uns são vistos e outros não, e outros não”, critica a desabrigada.
No final da entrevista, a mulher dá um suspiro profundo e diz que “muitas pessoas estão passando até mais né? São pessoas idosas que tão por aí jogadas também. Nós precisamos de mais ajuda. Do prefeito se pode fazer alguma coisa, e também das pessoas que tenham dó, que tenham amor por nós (sic)”, comenta emocionada.
Mãe de seis filhos e grávida do sétimo. Sem casa para morar ou lugar para ir. Após perder todos os móveis por conta que a casa em que vivia desabou durante a cheia do rio Acre, Ana Lúcia Almeida diz querer apenas um lugar para viver e alguns móveis para mobiliar a casa e puder dar um pouco de conforto aos filhos.
Casada com um guardador de carros, Ana diz se sentir “impotente” e “frustrada”. A jovem, de 26 anos, vivia numa pequena casa que desmoronou nos fundos do terreno da mãe, Marilucia Almeida. Por conta do tempo em que a água permaneceu nas dependências da casa, a estrutura não resistiu, e cedeu, ficando sem condições de habitação.
“Onde eu morava era bem pequeno mesmo. Era nos fundos da casa da minha mãe. Como o rio subiu muito, acabou alagando tudo lá na Cidade Nova. A minha casa desmoronou igual parece que tudo tá desmoronando. Perdi meus móveis, o que eu tinha conquistado, e agora só tenho isso aí: um colchão, poucas roupas e esses produtos de higiene pessoal”, conta a jovem.
Ana explica que precisa muita da ajuda de outras pessoas. “O que eu preciso é de uma casa. É disso que eu preciso. Meu marido é guardador de carro, o que ele ganha na rua a gente consegue manter a nossa vida, mas ter uma casa é importante e tá chegando mais uma criança agora, mais um filho, e eu quero ter uma casa, só isso”, afirma Ana Lucia ao destacar que ao sair do abrigo, não terá para onde ir.
“Eu não tenho pra onde ir não. Quando eu sair daqui eu nem si como vai ser, para onde que eu vou. Nós não temos mais casa, e não temos como alugar um quarto para morar, porque senão o dinheiro não dá. Meus filhos já nem estão comigo por causa disso, e eu quero um lugar para puder ficar com eles. Eu quero eles é comigo (sic)”, esclarece.
OUTRAS HISTÓRIAS
Duas outras mulheres procuraram a reportagem do ac24horas para denunciar que ainda não receberam as casas populares prometidas pelo governo do estado. Elas não quiseram gravar entrevista nem ser fotografadas. Mesmo assim, Maria Divanir Rego e Jocilene da Silva Maia foram ouvidas e todos os dados foram repassados à Secretaria de Estado de Habitaçao e interesse Social, a Sehab, com o intuito de ser viabilizada a resolução dos problemas de ambas as mulheres.
Segundo informado, Maria tem uma filha portadora de necessidades especiais. Ela está inscrita nos programas de incentivo à habitação do Acre há quase seis anos, mas até o mês de março, nenhuma ligação foi feito para ajudar a família. Também desabrigada pela cheia do rio Acre, Divanir não sabe mais o que fazer e resolveu pedir auxílio do ac24horas.
Jocilene, em conversa com a reportagem, informou que se inscreveu para concorrer a uma das casas do governo, no ano de 2009. De lá para cá, todos os dados teriam sido atualizados, mas a convocação para pelo menos receber a visita de uma assistente social, ou tomar posse das chaves da residência, nunca foi publicada. A mulher está abalada e preocupada, porque também teve o apartamento em que vivia alugado, tomado pelas águas.
SEHAB SE MANIFESTA
A secretaria responsável pela distribuição das casas populares foi procurada pela reportagem. Quem conversou com o ac24horas, em nome da instituição, foi o diretor-executivo do órgão, Daniel Gomes, que, segundo informações, é reponsável por superintender todos os departamentos da Sehab.
De acordo com Daniel, “Maria Conceição e Maria Divanir, são pessoas que serão contatadas pela nossa assistência social e nós estamos fazendo essas remossoes, tantos das famílias que estão no aluguel social, e aí nos faremos os encaminhamentos dessas famílias, desses casas aqui, para a SEDS.
Ainda de acordo com o diretor, ainda não há prazo para que todas as famílias sejam encaminhadas a uma casa do governo acreano. Ele fez questão de esclarecer que todos precisam ser colocados em áreas sem risco de enchente.
Eles precisam “estar num aluguel em área que não alague. Será disponibilizado esse auxilio”, às famílias citadas na reportagem. “Esse encaminhamento é feito pela SEDS para que elas sejam, então, incluídas no auxilio, mas isso não é pra todos que estão nos abrigos, comenta Gomes, ao dizer que seria feito um esforço para que as famílias fossem atendidas ainda na sexta-feira, 12. “Vamos fazer um esforço para que nós possamos atendê-las ainda hoje”, garantiu o gestor.
Sobre os demais casos, Daniel esclareceu que “Maria Isvete Rocha, ela está contemplada. É só aguardar a conclusão do imóvel em trinta ou quarenta dias. Nós vamos estar contatando o banco para que a gente possa ver qual a melhor forma de dar mais celeridade para esse processo documental”, explicou o diretor ao destacar que a jovem Ana Lucia, mãe de sete filhos, não teve os dados encontrados no banco de dados do órgão. “Os dados que nós temos aqui, da Ana Lucia Almeida, consta como não localizados. Nós encontramos alguns, mas podem ser homônimo”, justificou ele.
Sobre as entrevistadas, Regiane Ramos e Jucilene Maia, Daniel explicou que “no caso da Regiane, ela está aguardando sorteio” assim como a Jucilene, e que “a previsão é para essa segunda etapa agora da Cidade do Povo”, aponta o diretor da Sehab. Ainda segundo o representante, “o cadastro que foi feito em 2009 foi feito para uma previsão de construções. A previsão seria: ao ser concluída a Cidade do Povo, haveria o sorteio do cadastro”, comenta.
Mas, segundo Daniel, foi determinado pela presidente Dilma Rousseff que 3.348 unidades habitacionais atendessem os moradores atingidos pelas águas do rio Acre quando o manancial atinge a faixa de 14,90 metros.Por conta disso, as demais entregas teriam ficado congeladas, até o fim de tais entregas.
Ela garantiu, ainda, ao finalizar a entrevista, que “todas as pessoas que tiveram com a numeração coloca na nas paredes, elas serão contempladas dentro das 3.348 unidades”, afirma o diretor-executivo da Secretaria de Estado de Habitaçao, a Sehab.
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