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O caminho das águas

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O curso natural das águas fluviais é o mar. Esse é o seu destino. Nascer num ponto qualquer de alguma elevação, mais ou menos como um pequeno e gracioso filete que brota de uma espécie de “olho”, ir ganhando corpo ao longo do caminho, às vezes despejar em outro manancial e, enfim, juntar-se a um dos vastos oceanos que pontificam na extensão do planeta.


O professor Jacó, um então funcionário dos Correios que ministrava aulas de geografia no antigo Colégio dos Padres, no final da década de 1960, em Rio Branco, foi uma das primeiras criaturas a dar-me essa noção do percurso das águas fluviais. “Muito mais líquido do que terra, o planeta deveria se chamar Água”, discorria o vetusto mestre para a plateia imberbe.


Eu morava no bairro da Base e passava horas infindas contemplando o rio Acre no seu descer preguiçoso, ao mesmo tempo em que lembrava as palavras do professor Jacó. Lembrava os ensinamentos dele e tentava imaginar quando e como seria o encontro daquela água que passava sob os meus olhos com o mar tão distante daquele barranco da minha vigília.

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Embora eu morasse na Base, um dos bairros hoje mais vulneráveis às cheias anuais, eu jamais cheguei a ser desalojado do pequeno cômodo alugado, dividido com pai, mãe e uma sobrinha. O rio enchia, invadia um campinho onde eu jogava bola todas as tardes, mas recuava do pé da minha escada. Tirava-me o brinquedo, mas não me expulsava do teto precário.


Não pude deixar de exercitar essa memória por esses dias, ao vivenciar a tragédia que se abateu sobre a capital dos acreanos após a subida do rio Acre a níveis jamais alcançados em toda a história. Foram 18 metros e 40 centímetros de um avanço sem precedentes para fora do leito. Milhares de famílias desabrigadas e até pontes interditadas. Um caos!


Hora a hora, momento a momento, as medições feitas pelas autoridades, ao longo de vários dias, davam conta de um rio voraz, devorando centímetros rumo ao céu. E até quem mora bem longe dele (rio), passou um susto. Foi o meu caso, por exemplo, que moro no Jardim Tropical e vi um igarapé bater-me às portas sem pedir nenhuma licença.


Ironicamente, muito tempo depois que eu deixei de ser ribeirinho, bem como depois que gastei litros de saliva tentando convencer alguns amigos a deixar de sê-lo, é que fui ameaçado pelo rio. E dessa vez não foi o campinho da pelada de todas as tardes que foi invadido pela água. Dessa vez foi a própria rua. Por alguns centímetros eu não engrossei a estatística!


Ah, sim, sei, essa é (ou deveria ser) uma crônica sobre futebol, né mesmo? Então vamos lá, enquanto ainda restam algumas linhas: o jogo pela Copa do Brasil entre Rio Branco e Vasco (RJ) assim como a rodada do final de semana do campeonato acreano foram suspensos por causa da alagação. As margens não conseguiram conter o rio e sobrou para a bola!


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