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Mário e Márcio, dois bons amigos com destinos diferentes

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Dois amigos _interno


Mário nasceu na Sobral, Márcio nasceu no Castelo Branco. Ambos fizeram o ensino fundamental inteiro em um colégio público, marcado por uma educação horrorosa e omissa.

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Mário, à tarde, jogava os cadernos perto da cama, e saia para caçar passarinho e depois jogar bola em um quintal baldio. Márcio tinha reforço escolar com a irmã mais velha e, de tardezinha, podia brincar um pouco no quintal.


Mário terminou o ensino médio da mesma maneira que entrou: sem saber de nada. Sabia contar alguns números e conseguia escrever as coisas que seu pai pedia. Foi trabalhar com ele, longe da escola, agora estava perto dela, como ajudante de pedreiro, como ajudante de seu pai. Márcio estudou os livros, fez cursinho, e após a fase da contestação e rebeldia, prestou-se a organizar a vida e ingressar em um curso superior: virou doutor.


Mário casou cedo, porque conheceu o sexo informal cedo. Antes dos vinte, já tinha quatro filhos com Raimunda. Fechou a conta em sete, sendo os três últimos frutos de suas aventuras, para vencer o tédio e a previsibilidade da mulher amada.
Foi tudo muito rápido! Não viu o cheiro da adolescência, sequer pôde deixar o cabelo crescer e usar aquele brinco que tanto sonhou.


Márcio formou com vinte dois, noivou três anos e aos vinte sete, quando chegaram da viajem de férias, soube que seria papai. Aos trinta era família de duas lindas crianças com nomes difíceis de pronunciar.


A reforma da mansão de Márcio quem fez foi Mário. Ali se lembraram do passado, das histórias da infância e do pequeno espelho que colocavam no sapato, para ver as calcinhas das meninas.


Márcio, a todo tempo, tentava valorizar a profissão honrosa de Mário. Dizia que aquele fazer distraído e sujo do pedreiro era algo magnífico, labor que exigia uma inteligência tão grande que nem seus mestres da UFAC tinham igual. Mário, calado, pouco se importava com as geleias que saiam da boca do inimigo. Se fosse importante sentar tijolo, não viveria tal mal, pensava.


Mário viveu setenta anos. Apodrecido e fraco com os males trazidos com a profissão. Recuou-se em si em um benefício conseguido na previdência para sentir melhor a morte que sempre o esperava na cama.


Márcio viveu trinta anos. Teve câncer no estômago, e nenhum dinheiro do mundo que tivesse lhe livraria dessa sorte. Quando soube da doença, passou a acreditar mais em Deus, pois é nesse momento que se compreende melhor a chantagem divina do fazer aqui e ganhar lá.


Os quarenta anos de Mário fora de puro sofrimento. Filas em postos de saúde, falta de remédios, pouco dinheiro para tirar dois filhos da prisão e realizar um funerário mais digno para outro assassinado. Tudo conspirava contra o pedreiro infeliz. Nesse arraste do destino, foi maldizendo a vida e se perguntando por que ao invés do bondoso amigo de infância, não tinha sido ele o escolhido pela tragédia humana.


Mário por quarenta anos quis um câncer também. Até na desgraça o colega de escola tinha se dado melhor.

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