Categories: Acre

O silêncio de Malu

Por
Roberto Vaz

Quando o Acre ainda não era Acre, acreditava-se numa história muito curiosa. Já faz muito tempo, mas acho que ainda me lembro das coisas que me contaram. Escutem atentamente. Eu vou falar das coisas que me contaram.


No centro da cidade, havia, numa praça feia e rude, um teatro coberto de secas palmeiras e falho em sua estrutura de madeira mirrada. O local servia como espaço de crítica, uma alegre manifestação cultural, que reunia todos os descontentes com os desmandos e provocações absurdas dos donos da Vila Empresa.


Dentre todos os artistas, a mais destacada, a mais revoltada, a mais inconformada era Malu. Menina nova, criativa, sabia produzir peças bem adequadas à insatisfação popular. Cantando era a que mais empolgava! Na dicção, todos quase não piscavam a vê-la, de um lado para o outro, desenvolvendo o papel da peça que interpretava.


Com a idade, a maturidade. Com a maturidade, a cidade, sim, toda a cidade queria ouvi-la e, mudar a ordem das coisas e o triste fim a que estavam submetidos. Malu rapidamente virava líder.


Temerosos, os donos da cidade resolveram agir. Alguns cogitaram matá-la secretamente, outros queriam que fosse expulsa e outros mais radicais até propuseram a forca em praça pública. Venceu os que tinham a ideia de tirar-lhe sua empresa mais produtiva.


Ofereceram e lhe construíram um belo teatro, dando-lhe, sem enfeites de humildade, todos os brilhos do palco. Malu representaria em um ambiente novo, confortável e acolhedor. Abandonaria o sol, a poeira, as caretas e deformidades do seu velho público. Um novo tablado para ela.


Suas peças foram reformuladas, os artistas que contracenavam com ela agora eram outros mais limpos, mais rechonchudos. Corroídos pelas vaidades, penteavam os cabelos e até usavam bons talcos.


No Teatro Central do Estado, a antes, menina, agora tinha maquiagem e melhorava propositalmente o seu canto. Para aquele novo público, não tardou em buscar os sábios do teatro grego, a fim de aprender novas técnicas, novas oratórias, diálogos e novas encenações faciais.


Os anúncios eram diários. Oh! Venham ver! Sim, oh, venham ver. A moça que canta e dança. Venham ver a moça que canta e dança para uma plateia requintada. Venham todos! Olhem, olhem, e não se cansem de olhar, porque nada mais se pode ter que não apenas a imagem dela. A orquestra que lhe acompanha, não lhe deixa mais ser ouvida.


Era o silencio de Malu. Calaram-na! Não foi preciso tirar-lhe a voz, apenas fazê-la cantar em outros lugares, onde sabia que ninguém mais a ouviria, porque cantariam mais alto que ela.


Oh! Venham ver! Sim, oh, venham ver. A moça que canta e dança. Venham ver a moça que canta e dança para uma plateia requintada. Venham todos! Olhem, olhem, e não se cansem de olhar, porque nada mais se pode ter que não apenas a imagem dela. A orquestra que lhe acompanha, não lhe deixa mais ser ouvida.


 


Share
Por
Roberto Vaz

Últimas Notícias

  • Blog do Crica

Apostar na ciência foi o referencial de Gladson

O governo Gladson Cameli não é nenhuma sétima maravilha do mundo. Até aqui foi um…

23/12/2024
  • Nacional

Em pronunciamento de Natal, Lula diz que economia está forte, mas há “enormes desafios”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que a economia brasileira tem “enormes…

23/12/2024
  • Juruá

Jovem de 16 anos morre em acidente de trânsito em Cruzeiro do Sul

Um acidente de trânsito entre uma motocicleta e um caminhão na noite deste domingo,22, resultou…

23/12/2024
  • Política

Adailton reconhece trabalho da Unimed no acolhimento de crianças atípicas

Nesta segunda-feira (23), o deputado Adailton Cruz visitou o Instituto Unimed Terapias para acompanhar de…

23/12/2024
  • Política

Alan Rick comemora sanção da Lei que torna Cruzeiro do Sul a Capital Nacional da Farinha de Mandioca

O senador Alan Rick (União-AC) comemorou a sanção da Lei 15.051, que confere à cidade…

23/12/2024
  • Acre

Mercale espalha amor e esperança com a entrega de presentes para crianças

O Mercale, com seu compromisso de fazer a diferença na vida das pessoas, deu início…

23/12/2024