Para uma pessoa comum que assiste aos telejornais e se escandaliza com os repetidos episódios de escândalos que estão acontecendo, e a tentadora e previsível impunidade, a grande pergunta que ele faz é por que somos assim, ou seja, que diabo deu errado em nossa estruturação como país?
Fazer essa indagação nos faz transmigrar para um terreno epistemológico que nos permitiria entender porque, por exemplo, Paulo Maluf não pode pôr os pés nos EUA e em outros 180 países do mundo, que será preso, mas aqui é candidato “ficha limpa” e consegue se livrar de todas as acusações que lhe são imputadas e ainda ser eleito deputado federal; por que vários condenados do mensalão e outros corruptos escarneiam das leis brasileiras, livrando-se dos, ou amenizando os efeitos da condenação imposta; ou por que faz tanto sentido a frase do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, que foi pontual ao dizer que no Brasil: o rico não tem costume de comparecer à sala de um juiz. Nesses tempos de Petrobras e obras da copa, o arremate de Barbosa faz um enorme sentido.
Imaginar que nos países ricos não haja os nossos fenomenais advogados, capazes de realizar saltos acrobáticos jurídicos, enchendo-se de palavras e retóricas para salvarem seus clientes, é, mais que pensar ingenuamente, é ser um autêntico ingênuo.
Imaginar que no Brasil o direito da pessoa humana é bem mais desenvolvido e consegue garantir o uso e a possessão do conceito de liberdade plena, diferente de países mais “avançados” economicamente, em que os presídios são visitados, sem levar em consideração o poder aquisitivo do hóspede, é, por demais, inocente.
Num país marcado pela extrema desigualdade social, signo bruto da terrível distribuição de renda, lançada e desenhada em enormes bolsões de misérias, eu não acredito que o Judiciário seja uma cápsula onde consiga isolar de maneira tão simplista, afastado da própria configuração social em que se insere, os direitos e garantias da Constituição Federal. Não é proposital que as garantias que ele busca proteger, sejam mais eficientes, quando possuam estreitas relações com a riqueza dos que as reivindicam.
Confessadamente, o judiciário tem um lado podre! É certo que na esfera pessoal, os juízes não são meros reprodutores dos dispositivos legais dados. Ao sentar para decidir, o magistrado não se mumifica completamente nas leis que buscam lhe guiar. Ali, naquele momento sublime de “dizer o Direito”, alguns excelentíssimos doutores transpiram suas ideologias, visão de mundo e seus caprichos pessoais, tendo que muitas vezes dar saltos pirotécnicos para tentar aprimorar a legis à sua forma de percepção das coisas.
Confessadamente, o judiciário tem um lado podre! Mas não reside aí o maior dos problemas, nem é aí que vemos apodrecer o projeto de um país mais organizado.
O lado podre do Judiciário é o povo brasileiro indolente, despreocupado e indiferente com a política. Somos nós que, marcados temporalmente em cada arranjo político que submetemos e nos deixamos submeter, elegemos atores de uma peça individual frouxa e atávica.
Votamos mal, votamos em ladrões, votamos em gente da pior espécie, elegemos ratos famintos para tomar conta do queijo. Embriagados de um poder que lhes garante o cretinismo casual, nossas celebridades atribuem a si o próprio império de escolher quem os julgarão. Essa casta maléfica, fazendo as leis, criando os códigos, abre brechas para que os seus não sejam tão facilmente alvejados pela Justiça. Mas não é qualquer Justiça! Entendamos! Justiça, não como a que eles organizam, mas como um conceito mais amplo do próprio imperativo da organização humana em sociedade.
Modificar a “cultura popular” do desprezo à política, como processo de formação de um país mais justo, é a chave inaugural de um tempo fundamentado em sérias e profundas mudanças. Construiremos uma nação mais alinhada com os verdadeiros valores de uma sociedade menos tensa e conflituosa. Não seremos perfeitos, mas teremos a chance de deslocar os que se aproveitam do lado podre do judiciário e de outros ramos da coletividade para o local que eles terão dificuldade de sair: as penas legais.