O consumo regular de álcool e tabaco pode levar a uma ampla gama de problemas de saúde bastante conhecidos, como câncer e cirrose, mas pesquisadores brasileiros mostraram que essas drogas também vitimam centenas de espécies… de bactérias da boca.
Quem é fumante perde cerca de 35% da biodiversidade bacteriana bucal (que pode chegar a 700 espécies diferentes de micróbios). Já quem consome bebidas alcoólicas e fuma fica sem 20% das espécies da “flora” da boca, mostra a análise feita por especialistas do A.C. Camargo Cancer Center e da USP. (A análise não incluiu pessoas que apenas bebem, mas não fumam.)
Esse cenário pode se revelar preocupante porque, assim como ocorre no intestino, a presença de uma comunidade saudável de bactérias na boca provavelmente ajuda a proteger essa parte do corpo.
Bactérias “do bem”, por exemplo, ajudariam a manter sob controle micróbios daninhos ou produziriam substâncias benéficas para a boca.
Com o desequilíbrio causado pelo consumo constante de álcool e tabaco, a biodiversidade alterada de bactérias poderia acelerar os problemas de saúde ligados a essas drogas, favorecendo o aparecimento de tumores bucais, por exemplo.
“Achamos que aquelas bactérias que conseguem adentrar esse território, agora desprotegido do biofilme, a ‘capa’ de micróbios que antes defendia a mucosa, podem estar ligadas a isso”, disse à Folha o biólogo Emmanuel DiasNeto, que assina o novo estudo ao lado de Andrew Thomas e de outros colegas.
SELEÇÃO NATURAL – Para chegar aos resultados, a equipe obteve amostras da boca e da língua de 22 voluntários, com a ajuda de uma espécie de cotonete (veja infográfico à direita).
A partir das amostras, os cientistas usaram uma técnica que “pesca” pequenos trechos de DNA bacteriano, que são úteis para identificar a espécie de micróbio à qual esses pedaços de DNA pertencem.
Pode parecer estranho que a boca de quem bebe e fuma tenha mais tipos de bactéria do que a de quem apenas fuma. Os pesquisadores também estão tentando entender melhor o motivo, mas há uma explicação para isso.
É que o álcool pode servir de substrato (nutriente) para um grupo de bactérias especializadas em metabolizálo. Elas transformam a substância em acetaldeído, que é outro componente bastante tóxico e arcinogênico, causador de câncer.
Ou seja, quem bebe e fuma acaba tendo mais bactérias na boca, mas isso está longe de ser uma coisa boa, justamente porque elas aumentam a propensão ao câncer.
Os pesquisadores agora estão estudando o que ocorre no biofilme bacteriano bucal de um fumante que desenvolve câncer.
Se houver de fato uma relação entre a comunidade de bactérias e o aparecimento do câncer, “isso abre uma possibilidade muito legal: que tal o monitoramento do microbioma [conjunto das bactérias] como indicador de biofilme prémaligno [ou seja, próximo de levar ao câncer]?
Outra possibilidade seria desenvolver uma goma de mascar probiótica (ou seja, com bactérias “do bem”, como certos iogurtes) para minimizar os riscos de lesões précancerígenas, diz DiasNeto. São ideias interessantes, mas que ainda estão no começo, adverte ele.
O estudo foi publicado na revista científica “BMC Microbiology”.