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A morte é uma porta aberta

Por
Roberto Vaz


Deixou cair o vaso da janela! Na recepção onde trabalhava, os que enfadados esperavam sua vez para tratar com o Doutor Claudeiro olharam, com certo desdém, para a desídia da moça, pois nem se quer fez indústria para juntar os cacos, o barro da planta e as flores que se dilaceraram na forte queda. Felizmente!


Que ela não era um poço de simpatia, todos sabiam. Mas naquele dia os visitantes do consultório perceberam que algo lhe incomodava, precisamente porque não aparentava incomodo com nada nessa vida. Felizmente!


Cedo da manhã já tinha mandado o namorado ao inferno, reclamado do forte café com a mãe e até aquela saia que nunca tinha usado lhe caiu bem quando olhou no espelho e se sentiu horrível. Felizmente!


Jaqueline apontava para uma nova ordem de coisas. Agradeceu muito existir prendedor de cabelos no mundo e restou todo o dia lembrando-se do seu primeiro namorado: um rapaz com voz suave e atitudes grotescas que tinha lhe ensinado toques de amor da pior forma possível. Felizmente!


No ônibus lotado do Santa Maria, de volta pra casa, Jaqueline sentiu mais constantemente o aroma de todos as imagens que lhe faziam necessária companhia. Havia uma criança chorando o doce não recebido da mãe. Havia o velho trêmulo na cadeira a mendigar olhares de piedade. Havia a moça que falava com ninguém pelo celular e até mesmo uns rapazes que, com roupas coladas, tentavam definir os padrões de força e virilidade. Felizmente!


Jantou. Viu rapidamente algumas cenas da novela. Esqueceu-se de dar boa noite pra sua mãe e jogou o cobertor entre o peito imprensando-o como que solicitasse algo tão bom quanto o carinho de quem amamos. Felizmente!


A nova ordem das coisas imperava, agora, com mais intensidade e já não se vislumbrava outras atitudes que não a que imaginava desde cedo, quando ainda reclamava ao pente a condição do cabelo.


Jaqueline cometeu suicídio! Jaqueline queria ser médica! Jaqueline queria um lar! Jaqueline queria um verdadeiro amor! Jaqueline queria demais! A felicidade não costumeiramente atende todos os nossos sonhos.


Mas, como diz o poeta: “vamos com calma!”


 


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Roberto Vaz

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