Há três anos, Alda Duarte, 40, decidiu transformar o caminho que fazia, a pé, da casa ao trabalho, em Brasília. Ela passou a fazer canteiros em espaços públicos e, depois, a plantar hortaliças na vizinhança. “Eu tinha o desejo de deixar meu caminho mais bonito, de mudar o espaço”, relata a designer.
Por meio das redes sociais, Alda encontrou outras pessoas e coletivos que desenvolvem a chamada agricultura urbana no Distrito Federal. Inspirada nelas, reuniu os vizinhos para, com eles, ampliar a experiência e melhorar a vida comunitária. “É realmente um desejo de transformação do espaço público, de agregação da comunidade e de mudar a sociedade”, disse.
Vinda do Ceará há nove anos, o que chama de “jardinagem de guerrilha” mudou sua relação com a cidade. Já a construção coletiva amenizou a sensação de solidão que muitas vezes atinge quem vem morar em uma cidade conhecida pelas poucas esquinas e pelo concreto que se impõe sobre a paisagem. Agora, Alda e os vizinhos coletam assinaturas para saber quem apoia a horticultura urbana. Os próximos passos do coletivo serão a plantação de ervas medicinais e de árvores frutíferas.
A ideia vem se disseminando pelo Distrito Federal, pondo em prática o que estava proposto no projeto inicial de Lúcio Costa, urbanista que projetou Brasília. Costa queria que houvesse uma “coexistência social” na cidade. E uma das formas de viabilizar isso seria usar espaços das superquadras para floricultura, horta e pomar.
Atualmente, já existem hortas comunitárias feitas por moradores de Águas Claras e de quadras do Plano Piloto como a 114 Norte e a 302 Norte. Na 206 Norte, o processo já está avançado. Lá, os moradores construíram viveiro, horta e o chamado SAF, o sistema agroflorestal. A técnica busca reproduzir em um pequeno espaço as condições de uma floresta, reunindo plantas diversas e que trabalham em cooperação.
O geógrafo Igor Aveline foi um dos precursores do projetoJosé Cruz/Agência Brasil
O geógrafo Igor Aveline, 26, foi um dos precursores do projeto, que foi chamado de Re-ação. Para ele, o contato coletivo com a natureza desperta não apenas a preocupação ambiental, mas uma nova relação entre os envolvidos.
“O contato com a natureza traz um novo olhar para o mundo, uma consciência de que o mundo é vivo e não pode ser degradado. Ao mesmo tempo, o ato de ocupar o espaço público plantando e trabalhando em coletivo estimula o empoderamento das pessoas e nos faz repensar a cidade”, afirma.
Por meio do Re-ação, a vizinhança tem se reunido para fazer mutirões de plantação, oficinas de educação ambiental e de técnicas agrícolas, dentre outras ações. Os resultados despertam os sentidos de quem visita a área: as árvores enchem os olhos, o silêncio é cortado quase que exclusivamente pelo som dos pássaros, o cheiro da natureza agrada.
Tudo é um convite para ficar – ou multiplicar a experiência. Nos últimos meses, moradores de outros lugares da cidade têm procurado auxílio técnico ali, o que fez com que os moradores da superquadra buscassem uma maneira de expandir conhecimentos e práticas.
Diante da ausência de políticas públicas que viabilizem as hortas comunitárias, eles inscreveram o projeto no Catarse , site voltado ao financiamento coletivo de ações. Com isso, esperam obter R$ 15.500 por meio de doações que podem variar de R$ 15 a R$ 500. Como forma de agradecer a quem contribuir, os organizadores oferecem sementes, guias de agricultura urbana, livros, etc.
Com os recursos, o coletivo pretende fazer da experiência da quadra 206 Norte um modelo de agricultura urbana, com central de compostagem, horta comunitária, espirais de ervas e sistema agroflorestal. Tudo aberto e possível de replicação em outras localidades.
Nesse sentido, o projeto também contempla efetivar oficinas práticas de educação ambiental para crianças e de curso de agroecologia para a comunidade, parceiros e outras lideranças envolvidas no que chamam de proposta de transição agroecológica na cidade.
A ideia é que não só o financiamento, mas também o uso do que for produzido seja coletivo. “A gente vive em uma sociedade onde o ser humano é sempre induzido a viver em espaços privados, controlados, e a gente tem que reaprender a conviver, ter um novo olhar sobre as relações sociais, as relações de troca e a consciência da coletividade”, destaca Igor.
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