No dia 3 de novembro do corrente ano a Executiva Nacional do PT estabeleceu algumas diretrizes tendo em vista o 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores.
Retomou com razão o ideário que vem desde os anos 1980: ”para transformar o Brasil precisa-se combinar ação institucional, mobilização social e revolução cultural”. Acrescentou agora, num contexto mudado, “a reforma política e a democratização da mídia”. Lançou uma consigna clara:”O PT precisa estar à altura dos desafios deste novo período histórico”.
É a partir desta consigna que pretendo trazer alguma contribuição, a meu ver, imprescindível para estar à altura dos desafios deste novo período histórico. Estimo que o “novo período histórico” não se restringe apenas ao Brasil. Significaria um estreitamento da análise como se o Brasil pudesse ser pensado nele mesmo, desvinculado do resto do mundo no qual está irrefragavelmente inserido.
Considero acertadas as diretrizes, todas elas fundamentais, especialmente o que se esconde atrás da “revolução cultural”, que é a projeção de outro tipo de Brasil, de outros valores e sonhos, a partir das bases populares e englobando a generalidade de nosso povo em sua riqueza singular e em toda a produção de sentido, de arte e de beleza.
Mas o grande desafio, aquele que não é assumido, invalida todos os acima referidos, é o desafio ecológico, palavra que não ocorre nenhuma vez no texto da Executiva Nacional. Isso é preocupante, pois, nas palavras de Frijhof Capra, tal omissão representa grave analfabetismo ecológico.
A preocupação ecológica, ou o destino da Terra, da natureza e de nossa civilização, está em jogo. Esta preocupação está deixando cada vez mais o campo dos especialistas e entrando na consciência coletiva da humanidade e no Brasil, nos movimentos populares, como a Contag, a CUT, o MST e outros, além de muitos cientistas e dos movimentos especificamente ecológicos.
Por isso, causa espécie que esta consciência não seja compartida pelos membros da Executiva e, diria, em grande parte pelo próprio PT.
Não estamos indo ao encontro do aquecimento global. Estamos já dentro dele
Para citar um argumento de autoridade que vem da Carta da Terra, que sob a coordenação de Michail Gorbachev (tive a honra de participar do grupo de 23 pessoas), fez entre 1992-2000 uma vasta consulta em grande parte da humanidade sobre como deveríamos nos comportar para salvar a vida e a espécie humana na Terra. É um dos mais belos e profundos documentos nos inícios do século 21, imediatamente assumido pela Unesco e por grandes instituições.
A primeira frase da Carta começa assim: ”Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro…. A escolha é esta: ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a destruição da diversidade da vida” (Preâmbulo). Não são ideias apocalípticas, mas advertências fundadas nos dados mais seguros da ciência, seja dos cientistas que nos acompanhavam seja das grandes comunidades científicas dos países centrais.
Não estamos indo ao encontro do aquecimento global. Estamos já dentro dele e de forma cada vez mais acelerada. Já em 2002 a Academia Nacional Norte-Americana de Ciências fazia esta comunicação: ”O novo paradigma de um aquecimento abrupto está bem estabelecido pela ciência, mas esse dado é pouco conhecido e escassamente tomado em conta pela vasta comunidade dos cientistas da natureza, pelos cientistas sociais e ainda pelos que tomam decisões políticas(policymakers: National Academy Press, 2001, p.1))”. O clima pode subir de 4-6 graus Celsius. “Estamos jogando uma roleta russa com o revólver apontando para a geração de nossos filhos e netos” (Andrew C. Revkin, em New York Times, 28 de março de 2009). Com esta temperatura dificilmente a vida que conhecemos subsistirá, e a humanidade estará sob grande ameaça em sua sobrevivência.
Outros dados poderiam ainda ser citados. Basta a severa advertência de um nosso cientista, Antônio A. Nobre, que acaba de publicar um livro intitulado O futuro climático da Amazônia(2014), no qual diz:: “A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo a proteção das florestas e plantando árvores em suas propriedades”.
O PT, como partido majoritário que reelegeu para a Presidência Dilma Rousseff, não pode se omitir diante deste grave desafio. O Brasil, por sua situação ecológica, é um dos fatores principais no equilíbrio climático da Terra. Se não cuidarmos, a Terra pode continuar sua trajetória mas sem nós.
* Leonardo Boff, ecoteólogo e filósofo, é também escritor. É dele o livro ‘A grande transformação na economia, na política e na ecologia’ (Vozes, 2014). – leonardo Boff
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