“Estamos a mercê de São Pedro”, disse o presidente da Associação Comercial do Acre, Jurilande Aragão, após uma reunião de mais de duas horas e meia, com o Superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (DNIT), Fabiano Cunha, no início da noite desta sexta-feira, na sede do departamento em Rio Branco, no Acre.
A análise do representante da Associação Comercial foi feita depois que ele e os membros da diretoria ouviram do Superintendente do DNIT que nos trechos onde ocorreram estrangulamentos por causa da cheia do rio Madeira, que isolou o Acre do resto do Brasil, este ano, não haverá elevação da pista. O mais grave é que de acordo a janela hídrica da execução de obras na Amazônia, não existe tempo hábil para recuperação de 30 km da região conhecida como Palmeiral – a mais afetada pelas enchentes.
“Eu tinha uma preocupação sem detalhes, agora tenho uma preocupação com detalhes. A situação vai além de vontade. O que estão tentando é consertar a estrada com a condicional de não vai chover, coisa que todos nós que moramos na Amazônia estamos cansados de saber que nesta época chove e muito”, disse Aragão.
Por quase uma hora, Fabiano Cunha ouviu lamentações dos maiores empresários do Estado. O clima do encontro foi ficando tenso a partir de revelações que eram desconhecidas pelo setor. De acordo com Cunha, a consultoria especializada para acompanhar a enchente e a vazante do Rio Madeira e depois apresentar um projeto de reconstrução da rodovia foi negada pelo governo federal. O DNIT aproveita um processo licitatória já em andamento para fazer uma recuperação paliativa.
“Eu tinha um contrato de Conservação, Restauração e Manutenção de Rodovia (Crema). Chamei a empresa, falei da situação e perguntei se eles topavam fazer uma adequação do projeto para atender primordialmente as áreas que foram atingidas. É o que está em andamento”, explicou Cunha.
Explicou e não convenceu. No frigir dos ovos, a adequação ainda está em tramitação. Algumas máquinas trabalham na região do Palmeiral – única frente de serviços de recuperação da rodovia federal BR 364 entre Rio Branco e Porto Velho – mas fazendo um serviço paliativo que vai reestabelecer apenas as condições de trafegabilidade e não garante que o estado volte a sofrer outro isolamento por causa de uma nova cheia.
Para Jurilande Aragão, com o risco de uma nova enchente o governo federal pode jogar R$ 30 milhões no lixo. Para o DNIT, tecnicamente não existe como afirmar que é preciso levantar o nível da rodovia e nem onde ela deve ser elevada sem ter os estudos necessários.
“Se isso for feito lá e destruído ano que vem alguém vai ser cobrado e eu tenho consciência disso”, respondeu Cunha.
A realidade acabou arrancando durante a reunião que aconteceu com a presença da imprensa, desabafos até então desconhecidos sobre a crise que os empresários viveram e ainda enfrentam esse ano.
“Tem colegas que só não declararam falência, mas que praticamente estão de portas fechadas. Outros faliram mesmo! Eu só não quebrei porque Deus me deu oportunidade e saúde”, disse Osvaldo Dias, dono da Star Motos no Acre.
Segundo a presidente do Sindicato dos Transportadores do Acre – Setacre -, Nazaré Cunha, existem empresas que não querem mais transportar produtos para o Acre “porque não tem estrada, não tem garantia de volta”. Ainda de acordo a empresária, o setor de cargas secas ainda não se estabilizou. “Tínhamos 300 empregos diretos, agora trabalhamos com -30% por causa dos prejuízos. Nós não aguentaremos outra cheia com isolamento”, acrescentou.
O Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) prevê uma nova enchente com as proporções da que aconteceu este ano, daqui a 184 anos, mas no calor do debate, Cunha deixou escapar que não está descartada a possibilidade desse fenômeno acontecer no próximo ano.
“A recorrência pode ser de 180 anos ou ano que vem. Se voltar a acontecer ano que vem não é responsabilidade de nenhum de nós”, disse Cunha que evitou durante todo o encontro com os empresários, tocar no assunto de nova cheia.
Atraso nas obras da recuperação da BR 364 revela crise na estrutura do DNIT
A decisão do Superintendente do DNIT para o Acre e Rondônia, Fabiano Cunha, de recuperar o trecho de 30 km da BR 364 sem a elevação da grade (leito da pista) desafina com o que declarou o diretor de Programas do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Roberto Borges, em entrevista coletiva concedida no momento mais critico da cheia do Rio Madeira e de isolamento do Acre. Borges defendeu a elevação da Rodovia acima da cota de 20 metros.
Outro desencontro nas declarações dos diretores do órgão diz respeito aos estudos para recuperação da única rodovia que liga ao Acre com o resto do país. Borges disse que essa avaliação estava sendo feita pelo DNIT com apoio das usinas hidrelétricas do rio Madeira, que deveriam pagar a obra. A maior enchente do Madeira foi em 1997, a cota registrou 17,52 metros.
Ainda de acordo informações de Borges, publicadas no portal Terra, dia 12 de maio deste ano, a recuperação da rodovia seria iniciada assim que as águas baixassem completamente. Na coletiva desta sexta feira, 22, Cunha chegou a dizer que a infraestrutura do país não andou mais rápido porque não existe na estrutura [do DNIT] quem faça projetos, mas não aprofundou os reais motivos que levaram o governo federal atrasar o início das obras de recuperação da rodovia BR 364.
“Nós passamos 30 anos sem ter obra ferroviária ou rodoviária no país. As últimas obras foram do regime militar. Quando entrei no ministério em 2010, estava uma luta para buscar as pessoas que tinha 60 anos para ensinar os que são novos a projetar e fazer”, comentou.
Na frente das câmeras e gravadores, Cunha disse que “o pessoal” usa o atraso das obras politicamente. Em tom afirmativo, garantiu o inicio das obras da ponte sobre o Rio Madeira em setembro e três anos para conclusão total.
“Com relação a BR 364 os serviços já foram iniciados para reconstituir as condições de pavimento com segurança e conforto para os usuários aos quais estavam antes da enchente. Não está contemplada qualquer elevação na rodovia”, confirmou.
Empresários do Acre buscam rotas alternativas contra desabastecimento
Desde a reunião em Brasília, no Ministério dos Transportes que Jurilande Aragão passou a manifestar sua preocupação, principalmente, com o nível das águas do Rio Madeira que, segundo ele, esse ano – diferente de anos anteriores – “estão a um metro e meio da margem da rodovia”.
Uma caravana com 21 empresários se deslocam no próximo domingo (24) de Rio Branco para uma Feira de Alimentos que acontece no Peru, com o objetivo de buscar negócios e parcerias que possam evitar um novo desabastecimento. Empresários do setor de frios estudam rota alternativa, via Corumbá e Bolivia até chegar ao Acre.
“Não sou pessimista, sou otimista, mas saio daqui preocupado porque dependemos de vários fatores, além do político, da vontade de recuperar 30 km. Esse conserto da forma como foi colocado, para mim, não basta. Preocupa-me em demasia”, concluiu Jurilande Aragão.