Desde o caso da Katiele e sua filha, a polêmica em torno da legalização da maconha medicinal no Brasil está em foco. Katiele luta para tratar a epilepsia de sua filha de 5 anos com CBD (canabidiol), substância derivada da maconha e proibida no país.
Você poderia se perguntar qual é o lado da Anvisa, agência governamental que poderia liberar este medicamento. Quais as suas justificativas para continuar impedindo o uso medicinal da maconha?
O pesquisador André Kiepper encaminhou algumas dúvidas à Anvisa e recebeu respostas, no mínimo, peculiares da coordenadora substituta de produtos controlados.
Perguntou: “Por que não posso cultivar o Cannabis exclusivamente para uso medicinal para a minha filha (…) [para] que todas as famílias tenham acesso? ”. A resposta foi que “a planta Cannabis sativa L. encontra-se relacionada na Lista – E (Lista de plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas do anexo I da Portaria SVS/MS n°. 344/98. Sendo assim, é proibido realizar o seu plantio em território nacional”.
Isto significa que, se você deseja plantar maconha para uso medicinal, sua terra pode ser expropriada sem indenização, uma vez que a Constituição assim penaliza o plantio de psicotrópicos. A resposta da Anvisa mostra o sério risco que corre o desobediente civil que plantasse maconha para ajudar crianças doentes sofreria em nosso país. Minimizar o sofrimento de crianças doentes é proibido.
Foi também questionado que a Anvisa teria competência para autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais da tal Lista E. A resposta: “Toda finalidade medicinal deve ser comprovada perante a Anvisa por meio de estudos pré-clínicos e clínicos de segurança e eficácia, em dossiês para registro de medicamentos, que são protocolizados na Anvisa por empresas farmacêuticas interessadas no registro e comercialização de medicamentos.”
Perceba a burocracia para a aprovação do uso medicinal da maconha. Na contramão da lentidão do estado, Katiele importou ilegalmente o CBD, com resultados ótimos para a saúde de sua filha.
Contudo, outro aspecto curioso destaca-se nesta resposta. A autorização depende do protocolo de empresas farmacêuticas. Responde a agência inclusive que o “o uso destes produtos deve ser restrito a estabelecimentos médicos ou científicos”, o que impede “ a plantação por pessoa física”. Apenas pessoas jurídicas podem solicitar autorização e fazer o plantio! O usuário deve ficar restrito às iniciativas das corporações!
Diante dessa restrição, Kiepper pergunta então como proceder à autorização para importação junto à Agência. A resposta desumanizada é impressionante: “Informamos que não dispomos [de] norma para autorização deste tipo de procedimento.”
Kiepper então indagou o motivo da ausência desta norma regulamentar. A Anvisa respondeu: “Até o momento, nenhuma empresa apresentou nenhum dossiê solicitando registro de nenhum tipo de medicamento à base de substâncias extraídas da planta Cannabis.” Ou seja, as pessoas que necessitam do uso medicinal da maconha precisam esperar a iniciativa de corporações para que haja uma regulamentação a respeito.
Existe, de fato, um requerimento para uso próprio disponível. Mas ele não é feito para facilitar a vida dos pacientes: “A autorização excepcional para a importação de medicamentos controlados sem registro no Brasil e à base de substância proscrita (proibida) necessita ser solicitada caso a caso, pois se trata de uma excepcionalidade concedida pela falta de alternativas terapêuticas existentes no país. (…) [É] imprescindível que reavaliações periódicas sejam feitas para acompanhamento de eventuais mudanças na prescrição/formas de tratamento que impactem nas quantidades previamente autorizadas.” Essa resposta foi dada para negar a possibilidade ser liberada uma renovação anual ou um registro de autorização para compra de remédio no exterior.
Além disso, não há norma para autorizar a importação do CDB de uma Instituição sem fins lucrativos e “cada autorização emitida será específica para um determinado produto (nome comercial, se existir, apresentação, formulação, etc) e para um determinado fabricante, paciente e exportador, não podendo ser utilizada para a importação de quaisquer outros produtos”.
Indagada se a “Anvisa pretende facilitar esse processo pra evitar a morte desnecessária de crianças”, a agência informa que não tem qualquer informação acerca da modificação de procedimentos para importação, mas garantem que “todos os esforços e discussões relacionadas à importação de produtos contendo canabidiol, estão sendo conduzidas pela Anvisa, tanto em nível nacional quanto internacional, para que o direito à saúde das pessoas seja garantido, não esquecendo, no entanto, de continuar evitando o risco de uso indevido, abusivo e recreativo de qualquer substância ou planta”.
Enquanto os burocratas discutiam, Gustavo Guedes, de um ano e quatro meses, que sofria da Síndrome de Dravet, e estava aguardando a liberação do CDB pela ANVISA, morreu.
Valdenor Júnior é advogado e colunista do Centro por uma Sociedade Sem Estado (c4ss.org),
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