Uma empresa pretende conceder desconto a produtos de um fornecedor. No entanto, o que poderia resultar em preços mais baixos para os consumidores, na verdade, representa um dilema. Com receio de ser punida pelas autoridades, a empresa desiste da promoção sem saber se, de fato, a prática de mercado era ilegal.
Segundo estudo apresentado nesta semana pelo Centro de Estudos em Direito Econômico e Social (Cedes), situações como essa poderiam ser resolvidas por meio do mecanismo de consulta ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão máximo de defesa da concorrência no país. Bastaria a empresa pedir esclarecimentos e saber os limites em que poderia atuar.
Em vigor desde 2011, a nova Lei de Defesa da Concorrência permite que o Cade estabeleça um sistema de consulta a empresas que querem tirar dúvidas e escapar de punições. No entanto, o mecanismo até hoje não está regulamentado por uma resolução do tribunal do Cade.
Segundo um dos autores do estudo, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Marcos Paulo Veríssimo, ex-conselheiro do Cade, não existe o risco de o mecanismo de consulta estimular condutas ilícitas de mercado. “Muito pelo contrário, o Cade saberia o que as empresas estão fazendo e poderia agir preventivamente, em vez de apenas reprimir”, explica.
Para Veríssimo, as consultas conciliariam a prevenção com a punição. Isso porque, ao responder as dúvidas das empresas, o Cade estabeleceria os limites de atuação. “Se o órgão aprovar a conduta, a empresa está autorizada, desde que não descumpra os limites estabelecidos. O procedimento pode ser também aplicado em contratos de fusão, que tomam bastante tempo nos julgamentos do tribunal do Cade”, diz.
O estudo propõe que o conselho possa rever as decisões das consultas. Nesse caso, porém, a proibição das práticas comerciais valeria apenas para o futuro, sem punir a empresa pelo que fez no período em que estava autorizada. “O Cade tem a liberdade de constatar que a conduta que tinha autorizado antes prejudicou a concorrência, mas aí o controle será preventivo e mais rápido ágil que um julgamento que se arrasta por anos”, justifica Veríssimo.
De acordo com o professor, o mecanismo de consulta é usado, com sucesso, nos Estados Unidos, na União Europeia e até em órgãos brasileiros como a Receita Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além de trazer flexibilidade aos órgãos públicos, o sistema, acredita o professor, ajudaria o consumidor.
“As consultas impedem que práticas benéficas, como descontos, deixem de ser executadas por causa da incerteza. Ao mesmo tempo, permite que o Cade defina mais rápido que condutas são lícitas ou ilícitas”, defende o autor do estudo.
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