Já imaginou jogar futebol em um campo no meio do rio, mergulhar com tartarugas, pescar, fazer rapel e trilhas na floresta e aprender, na mata, sobre plantas medicinais, antes de ver uma revoada de papagaios no pôr-do sol em uma reserva ambiental onde a biodiversidade tira o fôlego, até mesmo, dos observadores menos atentos?
Aldemir Lira deixou o trabalho de guia para grupos de pescadores para investir
na construção de uma pousada flutuante no rio Uatumã
Muita gente já pensou em, se não todas essas coisas, ao menos uma delas. Mas para muitos, não passa de um desejo improvável, diante da dificuldade de logística na região amazônica, que faz com que os próprios amazonenses optem por destinos fora do Estado ou até do País para aproveitar os dias de folga.
Mas a logística não é o único desafio para os amazonenses conhecerem seu maior patrimônio: a biodiversidade. A falta de informação é um osbtáculo para as pessoas desbravarem destinos turísticos não convencionais como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uatumã, no Nordeste do Amazonas. Lá, os ribeirinhos estão se preparando para receber turistas, seja em pousadas flutuantes, em terra firme, ou na própria casa, e oferecer todas essas opções de lazer.
Com acesso pelas rodovias AM-010 e AM-363 (estrada da Várzea), em cinco horas de viagem partindo de Manaus até o Município de Itapiranga (a 227 quilômetros da capital), a RDS Uatumã é uma alternativa aos destinos tradicionais dos turistas que vêm ao Estado – Encontro das Águas, hotéis de selva, Presidente Figueiredo – e que já são “velhos conhecidos” de quem vive em Manaus.
Com um potencial internacionalmente reconhecido para a pesca esportiva do tucunaré, a RDS guarda, também, talentos para o ecoturismo e o turismo de base comunitária, aquele em que o viajante vivencia atividades cotidianas das famílias que o acolhem, bastante popular em países orientais.
Este ano, os moradores das 20 comunidades que fazem parte da RDS do Uatumã decidiram não mais “guardar” esse potencial todo, mas explorá-lo de forma sustentável, com foco na geração de emprego e renda aliada à preservação da natureza. Para isso, estão criando uma cooperativa mista, por meio da qual pretendem “assumir as rédeas” da gestão da unidade de conservação e transformar esse patrimônio natural na principal fonte de renda das 380 famílias que vivem lá, como contou a presidente da Associação de Moradores da RDS, Cleide Ferreira.
Segundo ela, o turismo na RDS se resumia à pesca esportiva, que nos últimos anos vem acumulando prejuízos enormes para a reserva e para os moradores. “Os turistas vinham e deixavam lixo pelo caminho. Percebemos que era questão de tempo até que tudo fosse destruído. Então decidimos aprender para ensinar o turista a cuidar, até pra que outras pessoas possam conhecer”, declarou.
Ousados e visionários
Magaiver ao lado da esposa, na sacada da pousada, às margens do rio Uatumã
Tradicionalmente, o turismo na RDS Uatumã se resumia à pesca esportiva do tucunaré, agenciada por empresas de turismo. Agora, os moradores da reserva, que atuavam como piloteiros ou guias, decidiram se arriscar no mundo do empreendedorismo.
Um deles é Aldemir Lira, 49, que construiu uma pousada flutuante e está se preparando para receber, em setembro, quatro grupos de turistas de São Paulo. “A pesca esportiva não estava nos deixando nenhum legado, pois além de ganharmos pouco, as empresas de turismo não têm compromisso em preservar. Essa é a nossa casa, nós temos que cuidar dela e, ninguém poderia mostrá-la melhor ao turista do que nós mesmos”.
E o trabalho de Aldemir está gerando frutos. É que os filhos dele, Alci e Alcimar, decidiram estudar e aproveitar a estrutura da pousada do pai para atrair jovens. “Cresci aqui e sei o potencial que temos, de trilhas, mergulho no lago com tartarugas, acampamentos e até rapel na cachoeira do Caranatuba. Agora, pra Copa, nossa ideia mais ousada é construir um campo de futebol flutuante”, contou Alci.
Turistas até dentro da própria casa
Aldemir Lira não é o único morador da RDS que decidiu fazer do turismo comunitário sua principal fonte de renda, deixando em segundo plano a própria pesca. José Monteiro, conhecido como “Papa”, e Magaiver Nogueira, 42, também estão investindo no ecoturismo e pesca esportiva para transformar suas vidas.
Morador da região desde 1998, Papa mudou para lá com o intuito de desmatar 100 hectares de mata e transformar em pasto. Mas mudou de ideia e decidiu investir no turismo comunitário, recebendo na própria casa os visitantes, para quem ele prepara uma extensa lista de atividades. “Trilhas na serra do Jacamim, revoada de papagaio, passeio de canoa no igapó e a própria pesca esportiva são algumas opções”.
Magaiver foi um pouco mais ousado e investiu na construção de uma pousada às margens do rio Uatumã, que está constantemente em obras. “Ano passado recebemos 28 turistas, e este ano já temos reservas e esperamos mais, por isso estamos construindo mais quartos. Quem veio, disse que vai voltar”.