O caso dos imigrantes haitianos produziu uma ‘saia justa’ do petismo consigo mesmo. O governador petista do Acre, Sebastião Viana, telefonou para o prefeito de São Paulo, seu correligionário Fernando Haddad. Estava irritado com as críticas de Rogério Sottili, secretário de Direitos Humanos da prefeitura, contra o envio de imigrantes haitianos do Acre para a capital paulista. Cobrou explicação.
Ecoando ataques de uma secretária do govarnador tucano Geraldo Alckmin, Eloisa de Souza Arruda (Justiça e Defesa da Cidadania), que chamara Tião Viana de “irresponsável” e o comparara a um “coiote”, Sotilli declarou nesta segunda: “Nós não fomos avisados dos haitianos que vão chegar [do Acre]. Não é possível tratar os imigrantes como despejados.”
Na conversa telefônica com Viana, Haddad classificou o comentário do assessor de “uma manifestação infeliz”. Disse que determinaria a Sotilli que ligasse para se explicar. De fato, Sotilli tocou o telefone para Viana pouco antes das 17h —ou 15h no relógio de Rio Branco. Reconheceu que o vocábulo “despejados” foi inadequado. Comprometeu-se a divulgar uma nota de esclarecimento.
Sotilli disse a Viana que a cidade de São Paulo “está no limite”. Rogou ao governador do Acre que analise a possibilidade de “reduzir o fluxo de haitianos”. E Viana: “Como ficamos nós? Nosso problema já é maior do que o de vocês há três anos e meio!” Uma expressão usada por Viana dá ideia do tamanho do enrosco: “O cachorro está mordendo o próprio rabo”.
O governador disse ao secretário de Haddad que São Paulo nem é o destino preferido dos haitianos. De cada 50, cerca de 15 manifestam o desejo de se deslocar para a capital paulista. Os demais vão para outros Estados, sobretudo os três da região Sul: Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
Viana repetiu dados que mencionara em entrevista veiculada aqui no final de semana: pivôs da crise, os 400 haitianos que chegaram a São Paulo nos últimos 20 dias eram parte de um grupo maior, de carca de 2 mil. Quer dizer: 1,6 mil imigrantes foram para outras localidades.
O problema é que pelo menos dois ônibus partem do Acre diariamente levando imigrantes que entram no Estado pela fronteira com o Peru, depois de passar pelo Equador. Viana disse que tentará manter a prefeitura informada, para que Sottili se prepare para o movimento diário. Mas alertou para o agravamento da encrenca. “O fluxo está aumentando a cada dia. Antes, tínhamos os haitianos. Vieram os dominicanos. Agora, chega gente da África toda.”
O secretário de Haddad disse a Viana que tentaria intermediar, em nome da prefeitura de São Paulo, uma reunião em Brasília, com a presença de representantes do Acre e de todos os ministérios que têm relação com o tema. Entre eles Relações Exteriores, Justiça, Desenvolvimento Social e Trabalho.
No domingo, o governador tucano Geraldo Alckmin dissera que sua secretária de Justiça trabalharia “junto com o governo federal para que a gente possa ter um trabalho articulado, humanitário, e ao mesmo tempo eficiente.”
Devagarinho, os personagens da crise vão se dando conta de que falta um personagem nesse debate: a União. Os haitianos chegam às centenas porque o governo federal decidiu acolhê-los. Entregam suas últimas economias a coiotes e desembarcam no Acre. Entram por ali porque Viana dá-lhes abrigo e comida, facilidades que não encontraram no Amazonas e no Mato Grosso do Sul. Descem rumo ao Sudeste e ao Sul porque querem emprego e um teto para trazer o resto da família.
Contra esse pano de fundo, criou-se no Acre algo que Sebastião Viana chama de “rota internacional de imigração ilegal”. E Brasília finge que não é com ela.
Ironicamente, Rogério Sottili, o secretário de Direitos Humanos da gestão Haddad, trabalhava na Presidência da República quando a chegada de levas de haitianos começou a ganhar a forma de um problema. Nessa fase, Sottili fora destacado para atrair empresas dispostas a contratar os imigrantes. Hoje, encarece aos amigos do Acre que segurem os desempregados que a política “amigável” do governo federal atrai.
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