Com a aproximação da Copa do Mundo, uma das torcidas gays do Corinthians vai mudar de estratégia: as Gaivotas Fiéis estão prontas para adotar o codinome “Gaivotas do Brasil” durante a competição. O projeto também é um convite a torcedores de outros clubes que se identificam com a causa LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), para que todos se unam na torcida pelo Brasil.
“Mesmo que não consigamos entrar nos estádios, vamos aonde houver aglomerações para expor a nossa causa”, diz Felipeh Campos, apresentador de TV e fundador das Gaivotas, que enxerga a criação da torcida como um ato ideológico e não só futebolístico. “As conquistas só vêm através de manifestações. Se o Corinthians ou outros torcedores não gostaram, o problema é deles”, insiste Campos, usando o tom provocador que se tornou característico nas entrevistas desde a fundação do grupo.
Durante os jogos do Mundial, ele pretende liderar concentrações das Gaivotas em locais ligados diretamente à Copa, como portas de estádio e Fan Fests, lugares onde o grupo possa aparecer e chamar a atenção de torcedores brasileiros e estrangeiros: “Vamos levar faixas, vamos de ‘cheerleader’. É para fazer barulho mesmo. Não vamos ficar como uma coisa velada”.
Como parte da ação, as Gaivotas terão uma bandeira do Brasil estilizada, que já está pronta: “As estrelas foram coloridas e a que fica sozinha em cima [Spica, estrela alfa da constelação de Virgem, que representa o Pará] é preta, simbolizando o luto de gays que foram mortos por homofobia, de negros mortos por racismo”. A meta é levar a bandeira a Brasília para que seja entregue à presidenta Dilma Rousseff: “Ela que me receba! É essencial o envolvimento do governo federal nesta causa “, diz um exaltado Campos referindo-se à luta pelo fim da violência e da intolerância no futebol, meio em que termos como “bicha” e “veado” ainda são usados como ofensa, e também pelo fim da intransigência com as próprias torcidas LGBT.
O desejo de conquistar a estima do governo federal é tamanho que Felipeh Campos chegou a fazer, recentemente, a carteirinha de número um das Gaivotas Fiéis para o corinthiano Lula, que ainda não foi entregue ao ex-presidente.
A bandeira não será o único símbolo usado pelas Gaivotas do Brasil. Uma estampa de camiseta criada pelo estilista e artista plástico Luís Garcia, membro das Gaivotas Fiéis, mostra dois jogadores se beijando, vestidos com uniforme que remete ao da seleção brasileira. Perguntado se as referências teriam sido Hulk e Neymar, o fundador da torcida desconversa.
Felipeh Campos já foi motivo de chacota e de ira, mas nenhum ataque abala o desejo de buscar atenção para a causa e para si como interlocutor dela. Campos ficou conhecido como o dublador Pablo, do programa televisivo Qual é a Música, e está acostumado com esse tipo controverso de exposição: “Não tenho nenhum tipo de receio, nenhum tipo de pudor. Eles [outros torcedores de times de futebol] têm que se acostumar com o diferente. Essa questão da homofobia internalizada, que você não sabe direito de onde vem, é a pior de todas”.
Há pouco mais de um ano, começou no Brasil a segunda onda das “torcidas gays” de futebol. Diferentemente das primeiras, criadas na década de 1970 (Raposões Independentes, do Cruzeiro, Coligay, do Grêmio, e a Flagay, do Flamengo), a maioria das torcidas de hoje concentra suas atividades em redes sociais online mais do que nos estádios. Cada uma justifica oficialmente a seu modo, mas o receio de represálias e violência é o ponto em comum que motiva a decisão de manter as atividades – e o ativismo – na esfera virtual.
É justamente contra essa ausência física das torcidas gays nos espaços públicos que as Gaivotas do Brasil concentrarão seus esforços durante a Copa do Mundo.
*Colaborou Rafael Sampaio, do UOL, em São Paulo.