A reclamação entre os prefeitos do Acre é geral. Alguns chegaram a pensar em renunciar aos seus mandatos por medo da crise financeira. Esse quadro caótico das gestões municipais não está passando desapercebido. Tanto que dois ex-governadores do Acre, senador Jorge Viana (PT) e deputado federal Flaviano Melo (PMDB) recentemente manifestaram as suas preocupações com a situação das prefeituras. Na Aleac, um dos debates mais acalorados desta semana entre os deputados Moisés Diniz (PC do B), Luiz Tchê (PDT) e Geraldo Pereira (PT) tratou do mesmo tema.
O prefeito da maior cidade do Acre, Marcus Viana (PT), também está atento com a situação. Ele passará os feriados da Semana Santa reunido com a sua equipe para adotar medidas de contenção de despesas e de replanejamento. Marcus que também preside a Associação dos Municípios do Acre (AMAC) tem procurado ajudar os outros gestores do interior para sobreviverem à turbulência. Redução de recursos federais do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do ICMS estadual, por conta da diminuição da atividade comercial com o isolamento provocado pela cheia do Rio Madeira refletem diretamente no orçamento de Rio Branco.
Nessa entrevista exclusiva, o prefeito do maior município do Estado, revela todos os aspectos da crise dos municípios e fala das “possíveis” soluções. Além das consequências políticas tanto no plano nacional quanto estadual em ano de eleições gerais.
Nelson Liano – Por que está acontecendo essa reclamação generalizada dos prefeitos por falta de recursos que gera a instabilidade na governabilidade dos municípios?
Marcos Viana – Essa situação é no Brasil inteiro. Temos um problema estrutural. A distribuição das receitas precisam ser revistas. Quando a Constituição de 1988 foi aprovada a divisão de recursos não se reflete mais na realidade atual. De 88 para cá os municípios ganharam mais atribuições e proporcionalmente receberam menos recursos. Hoje temos uma realidade em que dois terços das receitas do país ficam com a União. O restante é distribuído para estados e municípios. E os municípios ficam com menos de 10%. Essa distribuição de receita aliada as atribuições dos prefeitos é que causam esse problema. A União dá um incentivo para manter a macroeconomia do país reduzindo o IPI. Só que a receita dos municípios, o FPM, está vinculada à arrecadação da União, que tem parte atrelada ao IPI. Quando a União desonera o IPI acaba diminuindo o repasse para os municípios. Esse problema é gravíssimo. O ex-presidente Lula (PT) melhorou as receitas dos municípios nos meses de dezembro para ajudar no pagamento do décimo terceiro das folhas. E a presidente Dilma (PT) liberou mais uma parcela em abril para reforçar o caixa das prefeituras, mas não resolveu. A saída seria fazer o “Pacto Federativo” para discutir como serão distribuídos as receitas do país. Um exemplo é Rio Branco que tem 50% da população do Acre e uma malha de ruas de 700 quilômetros. No entanto, o nosso orçamento representa apenas 10% do Estado. Assim a gente vê a desproporção de cuidar de uma cidade que tem mais de 360 mil habitantes com menos de R$ 500 milhões por ano.
NL – Nesse caso, se senhor fosse um prefeito de oposição acredita que estaria com problemas ainda maiores para administrar Rio Branco?
MV– Essa é um pergunta inteligente. Eu posso dizer que no Governo Federal todas as seleções que ocorreram para recursos, como os PACs, aconteceram pela quantidade de habitantes dos municípios e não por cores partidárias. Todos os editais acontecem pela faixa habitacional. Municípios com até 50 mil habitantes a Presidente Dilma concedeu retroescavadeiras, caminhões, isso para o Brasil inteiro. Assim como os programas sociais como o Bolsa Família que é regido pela realidade social do município. O mesmo ocorre com o FUNDEB que distribui recursos para a educação municipal de acordo com a rede de alunos. Já o SUS faz o repasse baseado na rede de atenção básica da saúde. Eu reconheço que os governos do Lula e da Dilma foram os mais republicanos por conta da distribuição dos recursos. Em relação as emendas parlamentares o município do Acre que conseguiu mais proporcionalmente foi o de Cruzeiro do Sul. Porque toda a oposição libera recursos de emendas para Cruzeiro do Sul. Então mesmo sendo um município de oposição no Estado é o que mais recebe. Eu diria que nós teríamos dificuldade sendo de oposição se não tivéssemos um governador sensibilizado. E o governador Tião Viana (PT) tem trabalhado em todos os municípios. Um exemplo são As Ruas do Povo. Admito que sendo oposição seria outro quadro e dependeria de quem seria o governador.
NL – Mas o que se diz é que pelo fato do senhor ser do mesmo partido do governador o Governo acaba atuando como uma espécie de prefeitura paralela. Isso realmente acontece?
MV – Não vou dizer que é uma prefeitura paralela. Mas que temos um alinhamento de projetos, a mesma concepção de desenvolvimento e um alinhamento político que facilita. É mais fácil ter a confiança. E isso, sem dúvidas, ajuda muito para que a gente continue a vencer os desafios. Eu tenho no governador Tião Viana (PT) um grande parceiro e amigo que me ajuda em tudo que preciso. Assim como a presidente Dilma (PT). Nesse aspecto o alinhamento de projeto e a relação de confiança acaba ajudando porque o prefeito de qualquer município do país tem que contar com o apoio tanto do Estado como do Governo Federal. Mas tudo depende muito da posição do prefeito. O que se tem que discutir é se os projetos são viáveis ou não. Nessa hora vai depender da qualidade do projeto que o prefeito vai apresentar. Tem momento que se discute também a gratidão de uma ação que o Governo faz. Quando se está na oposição o interesse da população deve estar acima das questões políticas para criar um ambiente para parcerias. Então cada prefeito se posiciona de uma maneira diferente em relação aos seus parceiros.
NL- Mas o senhor tem recebido o apoio dos parlamentares de oposição para sua gestão?
MV – Eu me posiciono de maneira institucional com todos que podem ajudar, inclusive, com a oposição. Cansei de dizer que todos os parlamentares são bem vindos para ajudar a Capital. Uns ajudam mais outros menos. Mas tenho gratidão e reconhecimento. O parlamentar que menos coloca emendas para mim é o Márcio Bittar (PSDB). Mas sou grato ao deputado federal Gladson Cameli (PP) que é um dos que mais me ajuda, ao senador Petecão (PSD) que ajudou no Terminal da Baixada. Entregamos ônibus para a APAE em parceria com o deputado Flaviano Melo (PMDB). Agora, da situação todos nos ajudam. Mas o campeão de emendas é o senador Jorge Viana (PT) e depois o Anibal Diniz (PT).
NL – Alguns prefeitos já disseram que a Marcha que vai acontecer em Brasília no dia 15 de maio vai ser um grande protesto contra a presidente Dilma (PT), contra a política de repasse das verbas para os municípios. Essa situação é perigosa politicamente porque são mais de 5 mil municípios que estão insatisfeitos. No momento que a presidente Dilma (PT) está caindo nas pesquisas eleitorais, segundo a DataFolha, que também detectou que mais de 70% dos brasileiros querem mudanças no País, o senhor não acha que essa política em relação as prefeituras pode comprometer a reeleição da presidente Dilma (PT)?
MV – Primeiro que o foco da Marcha não pode ser apenas o Governo Federal. Quando se fala em mudança no repasse tem que reivindicar para os deputados federais e senadores. Na hora de mudar, por exemplo, a distribuição das receitas do FPM tem que se alterar a Constituição. E na hora de aprovar os repasses terá que se enfrentar o debate no Congresso. Tem que se pressionar as bancadas do Congresso. A presidente Dilma (PT) não é a única responsável. Essa é uma discussão nacional que envolve interesses políticos de todo o país. A presidente Dilma (PT) tem dado demonstração que está solidária com os prefeito tanto que na ultima Marcha ela liberou um recurso em duas parcelas. Ela fez ações voltadas para os municípios de menor população. Abriu linhas de créditos no Pró-transportes e para obras de infraestrutura e tem liberado as emendas parlamentares. Em relação ao efeito eleitoral é difícil de saber quando estamos ainda entrando no mês de maio. Nas eleições anteriores na mesma época a presidente Dilma (PT) não liderava as pesquisas. Eu mesmo em junho de 2012 era o último colocado e acabei sendo escolhido pela população.
NL – Como presidente da AMAC e com essa crise nos municípios qual a orientação que tem sido dado aos prefeitos para superarem as adversidades e evitar, inclusive, a renúncia de alguns?
MV – Tenho conversado bastante com todos. Eles têm a solidariedade da AMAC que existe para ajudar todas as prefeituras. Trabalhamos muito para garantir que todos o projetos das prefeituras estivessem prontos até 21 de março para que as emendas fossem liberados. Estamos prestando consultoria para melhorar a arrecadação das prefeituras. Para fazer reformas nos códigos tributários. A nossa economia é dinâmica e os prefeitos precisam acompanhar. Por exemplo, a questão da tributação do cartão de crédito que dá direito aos prefeitos recolherem. A gente tem tido uma corrente de solidariedade na AMAC. O prefeito de Sena Madureira, Mano Rufino (PR), enfrenta um dos mais graves problemas que é despesa com pessoal que ultrapassa 70% dos recursos. Enviamos uma equipe para diminuir essas despesas para não inviabilizar os investimentos. Estamos enfrentando os desafios juntos. Alguns assuntos são inerentes a todos os municípios, mas também tem as suas particularidades. Cada prefeito herdou a sua prefeitura em situações diferentes. Aqui recebi uma prefeitura saneada com as contas em dia. Esse não foi o caso de todos os prefeitos do Acre.
NL – Rio Branco passou por três enchentes seguidas. Tem o problema do desabastecimento do Rio Madeira que diminuiu o recolhimento do ICMS que é uma das fontes de receita dos municípios. E quase todos os prefeitos estão reclamando. Por que o senhor não está reclamando?
MV – Primeiro porque fui eu quem pedi para ser prefeito, ninguém me obrigou. Enfrentei uma campanha difícil e pedi uma oportunidade. Não vou lamentar, mas trabalhar para enfrentar esse desafio. Entendo que reclamar demais é perder muito tempo enquanto se poderia estar buscando soluções. Essa é a minha concepção. Segundo porque nós temos um cenário muito difícil. Uma perda de ICMS projetado em R$ 5 milhões, uma despesa com a alagação que ultrapassa R$ 5 milhões. Tivemos o apoio do Governo. Mas mesmo assim não se cobre todas as despesas. Sem a cheia do Rio Madeira e as quatro alagações do Rio Acre desse ano estaríamos melhor, com muito mais equipes fazendo o tapa-buraco das ruas. A situação me obriga a rever o planejamento. E vou aproveitar o feriado para reunir a minha equipe, cortar despesas e tentar economizar sem prejudicar os serviços essenciais para que possamos ter receita para cobrir as diferenças que teremos com o ICMS e o ISS. Estamos com menos equipes que eu gostaria com o tapa-buraco. Assim vamos ter que nos esforçar mais no verão para conservar as ruas. Não vou me lamentar porque esse é o desafio da vida, o papel do prefeito. Trabalhar com recursos é fácil o difícil é sem eles. Aí entra a criatividade e planejamento. Isso que vamos fazer nesses feriados da Semana Santa.
NL – Prefeito o senhor está num momento com a sua popularidade em alta. O senhor não teme que essas medidas mais amargas que serão tomadas possam afetá-la?
MV- Na função que estou não posso tomar decisões só pensando na política. Senão não vou fazer o bem que a cidade precisa. As decisões que serão tomadas são para garantir o equilíbrio das contas e os serviços essenciais. Uma medida que poderia agradar uma parcela da população vai desagradar uma outra. Aqui desde a hora que acordo até a hora de dormir tomo decisões que afetam as vidas das pessoas. Mas não vou deixar de tomar as decisões mais difíceis que são necessárias e não vou fugir das minhas responsabilidades pensando só no quadro político, senão não estarei trabalhando para a população. E justamente pensando na população que vamos tomar medidas que representarão um aperto financeiro, mas tenho certeza que como trabalhamos com transparência e ando nos bairros todos os dias e dialogo com a verdade acho que vão entender o que estamos passando. Sempre tem aqueles que criticam e tem mais dificuldade entender as nossas dificuldades, mas as decisões serão tomadas pensando no funcionamento da cidade e não na popularidade do prefeito.