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Presença de indios isolados cria pânico na fronteira

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Da redação ac24horas

 Pressionados por traficantes de drogas e madeireiros no vizinho Peru, os chamados “índios isolados” atravessam a fronteira e em número cada vez maior perambulam em territórios indígenas no lado brasileiro gerando um clima de tensão e medo. Eles espreitam aldeias e roçados, roubam machados e terçados e imitam gritos de macaco que assustam mulheres e crianças. Existe um clima de insegurança nas cabeceira dos rios Purus, Envira e Tarauacá, onde  indígenas kaxinawá, ashaninka e manchineri estão preocupados, mas sem saber como enfrentar a situação. Na sexta-feira passada, 11, uma comissão formada por lideres indígenas, antropólogos, Comissão Pró-Índio e Funai procurou o senador Jorge Viana em seu gabinete em Rio Branco, para pedir ajuda. Os indígenas concordam em proteger os “isolados”, obedecendo recomendação da Funai para não fazer contato, mas, ao mesmo tempo, querem se defender dos ataques e saques que vem sofrendo em suas aldeias. Eles pedem apoio oficial, recursos, treinamento e contratação de pessoal habilitado nas frentes de proteção etnoambiental. O senador sugeriu a elaboração de um programa de 5 anos de duração ações de proteção aos “isolados” pelos próprios indígenas, com os custos da operação. Em contrapartida, prometeu conseguir recursos e fazer articulação com os governos federal e estadual para ajudar na solução do problema.



 A comissão que procurou o senador é representativa. Além do coordenador de assuntos indígenas do governo, Zezinho Yube, liderança jovem dos Kaxinawá do rio Tarauacá; e Lucas Manchineri, professor formado em programa de educação  da Reserva Mamoadate, no Purus – participaram da conversa o antropólogo acreano Terri Aquino, o Txai, o também antropólogo Marcelo Piedrafita e Carlos Meireles, “o velho do rio” que, em 2009, quando respondia pela base de proteção etnoambiental do rio Envira, foi atingido por uma flecha que entrou na boca e varou na nuca. Participaram também Vera Olinda Sena de Paiva e Malu Ochoa, da Comissão pro Índio do Acre, e o atual Chefe da Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira, Guilherme Dalto Siviero, da Funai.


 Todas essas pessoas têm uma longa história ligada ao movimento indigenista do Acre que, a partir de 1975, promove a retomada das terras pelos grupos indígenas violentados e expulsos, no início do século XX, por seringalistas e seringueiros durante a aventura da borracha. E a procura pelo senador tem antecedente histórico: em 2001, como governador do Acre, Jorge Viana sobrevoou a região dos “isolados” na companhia do indigenista Meireles e adotou as primeiras medidas oficiais para protegê-los.


 Os “brabos”


 A situação na fronteira, entretanto, foi agravada nos últimos anos com a reduzida participação da Funai na área. Também porque, sem alternativa,  os isolados invadem terras acreanas onde os indígenas se encontram organizados  na execução da gestão territorial e ambiental.  Até 1988, a politica da Funai quando identificava um grupo arredio era fazer o contato e “amansar”. Em 2012, passou a usar com base no decreto n.7.778, seu poder de policia para impedir o contato. Só que, nas cabeceiras dos rios Madre de Dios, Ucayalli, Purus e Juruá, a situação é mais complexa, e o conflito acaba se estendendo ao Acre.


 Meirelles informa que a “guerrinha” entre isolados e indígenas brasileiros começou no Jordão e no Envira, com “um flechando o outro”. Depois surgiram histórias parecidas na região do Humaitá, no alto Tarauacá, o que o levou a pensar que se tratava de um único grupo. A Funai criou então uma base no igarapé Xinane, onde o indigenista permaneceu o tempo suficiente para descobrir, após um sobrevoo, que havia um segundo grupo de brabos no Riozinho, no Purus. Pouco tempo depois, um terceiro grupo chegou ao Xinane. E um quarto grupo, identificado como Mascko Piro, foi visto perambulando ao longo de toda a fronteira. A própria Funai já admite hoje seis grupos de isolados perambulando pelo Acre.


 Os Mascko Piro não possuem casa, nem aldeia, perambulam em grupos de 150 a 200 individuos coletando frutos na floresta e ovos de tracajá nas praias de rio. Acampam em diferentes territórios com mulheres e crianças e quando a comida acaba numa área, partem para outra. No inicio de 2014, o professor indígena Lucas Manchineri, da terra indígena Mamoadate, no rio Iaco, conseguiu imagens de um breve encontro dos Mascko Piro com os Manchineri nas cabeceiras do Purus . Eles aparecem numa praia e manifestam disposição de contato. Ganharam cachos de banana e descobriram que falam a mesma língua do grupo que vive no Iaco.


 As noticias que circulam no alto Tarauacá e no Xinane, com outros grupos de isolados são diferentes. Seringueiros e kaxinawas já foram flechados e, do outro lado, “brabos foram mortos a tiros.  Os grupos indígenas do Acre que partilham terras com eles, mesmo sem os verem, com a ajuda dos indigenistas propõem que sejam mantidas quatro bases de proteção etnoambiental: no rio D’Ouro, no Muru, no Xinane e no Mamoadate. A despesa  das quatro frentes somariam R$ 903 mil  no primeiro ano, devido ao aparelhamento das mesmas, mas custariam menos nos anos seguintes. Jorge Viana disse que o valor não é alto, considerando a finalidade do projeto que se encaixa na ideia/sentimento de “florestania”!


 Floresta também é gente 


 O antropólogo Terri Aquino escreveu a vida toda, longos relatórios sobre a situação dos índios do Acre defendendo seus territórios e sua organização, agora aderiu à linguagem dos vídeos. É de sua autoria, em parceria com o realizador kaxinawa Nilson Puye, o documentário “Floresta também é gente” que trata da questão dos “brabos no rio Humaitá, afluente do Tarauacá. Foi rodado numa oficina de avaliação do plano de gestão da Terra Indígena Humaitá, dos Huni Kuin (kaxinawá), realizada na aldeia Boa Vista.


 O vídeo mostra as imagens impressionantes do encontro entre os manchineri e os Mascko Piro nas cabeceiras do Purus. É comovente ver a expressão de curiosidade e contentamento dos arredios, aparentemente interessados no contato. Homens, mulheres e crianças saudáveis e de boa estatura vestem apenas tangas feitas com  envira, e apontam sem zanga para os parentes (manchineri)  descobrindo que falam a mesma língua Pano. Um deles coloca uma criança no ombro e entra no rio, na direção dos que estão na outra margem, como a dizer: “Olha aqui minha filha, ela não é linda”?


 O andamento da oficina na Aldeia Boa Vista não parece nem um pouco com as que se vê entre os não índios. Ali se descortina um Acre pouco conhecido, de futuro, com jovens indígenas que falam fluentemente o português e o Hãtcha Kuin, a lingua verdadeira dos kaxinawá, tratando de assuntos gerais da Reserva Humaitá, inclusive dos “brabos”. O ambiente está enfeitado com mapas coloridos e detalhados das cinco aldeias que compõem a reserva. Estendidos no espaço aberto e coletivo, mais parecem uma exposição de pintores primitivistas.


 Nos mapas estão incluídas as áreas de perambulação dos “brabos”, uma prova das boas intenções dos kaxinawá com seus parentes peruanos. Mas todos falam de uma dúvida atroz: “Tudo bem, nós devemos proteger os isolados como determina a Funai, em lei, mas quem vai nos proteger dos roubos e ataques que eles começam a praticar contra nós”? A indígena Francisca, da aldeia Novo Futuro, com idade avançada diz, nada  esperançosa: “Eu queria falar com a Funai para amansar logo esses ‘brabos’; porque eu quero trabalhar sossegada no meu roçado”.


 O jovem Alessandro Sabóia, da Aldeia Vigilante, todo pintado de urucum e outras seivas, aponta para outra direção: “Assim como nós temos vida dentro de nós, a floresta, a água e a terra tem vida também. Se nós não cuidar de onde nós vive, quem vai cuidar pra nós?” –indagou., demonstrando um protagonismo ecológico que tem chance de emergir com força das entranhas da floresta.


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