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A cheia do rio Madeira e as (in)certezas da presidente

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Em sua meteórica passagem pelos estados de Rondônia e Acre a presidente Dilma Rousseff externou uma opinião bastante apressada e duvidosa: “É absurdo atribuir a cheia do Rio Madeira à construção das hidrelétricas”. Qual o grau de certeza de tal afirmação? Quais os elementos de análise para esta rápida conclusão? 


Diante dos últimos acontecimentos, manter desconfiança em relação às certezas da presidente é uma medida cautelar, sobretudo porque a afirmação toma semelhante ligeireza com a que ela autorizou, ainda quando Chefe da Casa Civil e na condição de presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, a compra da refinaria de Pasadena, dando prejuízos bilionários aos cofres do país.

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Longe de se negar a importância e a necessidade do empreendimento, não devemos subestimar os fatos que antecederam a construção das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau e as análises, indagações e alertas de especialistas e entidades governamentais e não-governamentais ligadas ao meio ambiente.


            A começar pelo fato de que o EIA – Estudo de Impacto Ambiental realizado sobre a responsabilidade das empresas Furnas e Norberto Odebrecht (as mesmas empresas construtoras das hidrelétricas) foi rejeitado pela equipe técnica do IBAMA no parecer técnico 014/2007, sob os argumentos de “elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no estudo; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de medidas mitigadoras e de controle ambiental…; e a necessária observância do Princípio da Precaução”.


Mesmo a equipe técnica do IBAMA não atestando a viabilidade ambiental dos empreendimentos, recomendando a realização de um novo EIA “mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios transfronteiriços”, a medida do governo foi a de trocar a administração do IBAMA e conceder a Licença Prévia,  priorizando os aspectos econômicos e políticos, pois a construção das hidrelétricas faz parte das obras do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, carro chefe da campanha presidencial de Dilma, que lhe rendeu o apelido de “mãe do PAC,” em 2010.


Se tomarmos em conta também as anotações do parecer do Prof. Philip Martin Fearnside (Ph.D. em ciências biológicas e pesquisador do INPA), a certeza da presidente também pode ser colocada em xeque.


São significativas suas ponderações sobre o EIA quanto ao cálculo de água relativo correspondente a diferentes vazões. Fearnside chama a atenção que o programa utilizado HEC-RAS do Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, não modela as mudanças da sedimentação. E ressalta: “Sendo que uma sedimentação significativa é esperada, os níveis de água podem ser mais altos que os níveis mostrados pelo modelo. Foram os níveis de água mais baixos, sem efeitos de sedimentação, que foram usados para calcular impactos, tais como a inundação de ecossistemas naturais e da rodovia BR-364 paralelo ao rio, e da terra ocupada pela população humana (negrito meu)”.


Convém lembrar neste ponto, que a atual cheia do Rio Madeira já alcançou a marca de 19,70m, ultrapassando a maior marca histórica de 17,52m da enchente de 1997, em quase 2,20m.


Fearnside diz ainda que sobre a possibilidade de alterações no lençol freático a única recomendação no EIA é a de “monitoramento de efeitos e indenização por perdas”. E prossegue: “monitorar o lençol freático é apenas isso – ver o que acontece. Não é algo que pode resolver o problema depois que esteja observado”.


Outro fato bastante duvidoso, objeto de uma série de questionamentos encaminhados ao CONAMA pelos conselheiros da APROMAC – Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte foi que o IBAMA, atendendo a solicitação de Furnas, fez um recorte espacial da área original constante no Termo de Referência (2004) para elaboração do EIA, excluindo a área do território boliviano e seus conseqüentes impactos.


Nota-se, portanto, que atribuir como causas da atual enchente do Rio Madeira apenas os fenômenos da natureza, é no mínimo precipitação, e tal atitude termina tomando a característica de uma defesa antecipada de eventuais falhas e responsabilidades que possam ser apontadas no futuro.


Como existe o relatório dando conta da inviabilidade ambiental do projeto, desta vez a presidente não poderá repetir a mesma justificativa da compra da refinaria de Pasadena que a decisão da construção das hidrelétricas foi baseada num relatório “técnica e juridicamente falho” e nem tampouco ressoar o mantra do governo acreano de que “tudo não passa de boato e que está tudo sobre controle”. Acre e Rondônia já estão com sofrimentos e prejuízos o suficiente para ouvir argumentações falaciosas.

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*Francisco Nazareno é Diretor do Instituto Teotônio Vilela – Seção Acre


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