Desta vez o desabafo não vem das ruas, mas de dentro do próprio Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (HUERB). Profissionais da área de enfermagem resolveram quebrar o silêncio e denunciam através de um relatório de fiscalização do Conselho Regional de Enfermagem do Acre (COREN/AC), a morte de pacientes por falta de assistência. O documento de 33 páginas afirma que “existe uma elevada taxa de óbitos que é de conhecimento dos gestores públicos” e alerta para a ampliação dos danos à população acreana com perdas de mais vidas que possivelmente seriam prevenidas com um suporte profissional ideal. Com relação à suposta negligência apontada no referido relatório, a Sesacre garantiu investigação pelas instituições competentes, “haja vista tratar-se de transgressão em todas as áreas passíveis de punição” diz a Sesacre.
AS IRREGULARIDADES:
A suposta negligência denunciada pelo COREN acontece na Sala de Emergência Clinica (SEC) – uma das portas de entrada do HUERB. A fiscalização acompanhou a rotina de pacientes e enfermeiros durante os dias 26 e 27 de fevereiro deste ano. Segundo o relatório, oito pacientes foram a óbito no primeiro dia de fiscalização.
“Existe um sério problema que enquanto os médicos estão entubando um paciente junto com a equipe de enfermagem, tem vez que alguns pacientes estão tendo uma parada cardíaca e necessitam com urgência de massagem”, denunciaram os enfermeiros.
A superlotação é apontada pelos profissionais como uma das causas mais graves. O local que tem suporte para atender 10 pacientes, recebe até 30 em um único dia, impedindo, segundo o Conselho, “o atendimento com qualidade a todos”. O documento informa que muitos desses pacientes estão em coma e sem expectativa de transferência por falta de vagas nas UTIs. No dia da fiscalização, na assistência intensiva, foi identificado 06 pacientes em coma, intubados, sob ventilação mecânica, em estado critico.
A incompatibilidade no quadro de profissionais de enfermagem com a demanda do setor tem como base os parâmetros legais da lei 7.498/86, Código de Ética, Resolução COFEN 189/96 e 293/2004. A autarquia federal aponta ainda a falta de material, medicamentos, equipamentos e mão de obra qualificada.
“Chega momentos que faltam medicamentos, inclusive constatamos a falta de dipirona, furosemida, plasil e adrenalina”, acrescenta o COREN.
Os técnicos informaram que tem momentos que realizam intubações e reanimação cardíaca no piso da unidade “por falta de local para acomodar o paciente e algumas vezes devido à quantidade de demanda e o número insuficiente de profissionais para a assistência”.
As bombas de infusão e monitores cardíacos são insuficientes, as cadeiras e macas não suportam pacientes obesos. Ainda de acordo o relatório, os pacientes intubados que deveriam estar na UTI ficam em outro setor por falta de vaga – além de toda sobrecarga de atividades – são atendidos também pacientes do ambulatório com sintomas de AVC, problemas respiratórios, cardiopatas, neurológicos, dependentes químicos, e outros.
A fiscalização apontou até a falta de aparelhos PA. Só existem dois aparelhos esfigmomanômetro, “com defeitos”. O certo eram 12 aparelhos. Outro equipamento insuficiente é fluxômetro para pacientes que necessitam de oxigenoterapia. “Só existem dez e tem dias que o setor necessita até de 20 aparelhos”, informa o relatório.
O COREN condenou o Setor de Emergência Clinica (SEC) do maior hospital de emergência de Rio Branco. “Está insalubre, foge dos padrões normais no âmbito hospitalar de emergência”, declara.
A FISCALIZAÇÃO:
A fiscalização foi feita por Maria Arcilene Castro de Souza (Fiscal) e a conselheira Maria de Fátima Santos da Silva nos dias 25 e 26 de fevereiro.
A INVESTIGAÇÃO:
A reportagem teve acesso ao relatório a partir da investigação sobre suposta contratação irregular de técnicos de enfermagem. O documento com pedido de providências foi protocolado pelo Sindicato dos Profissionais Auxiliares e Técnicos de Enfermagem (Spate) no Ministério Público Estadual e se encontra na Promotoria Especializada de Defesa do Patrimônio Público do MPE/AC.
Secretário em exercício, Irailton Lima, afirmou em resposta ao ac24horas que a contratação teve caráter de emergência para evitar o fechamento de UTIs. A falta de profissionais capacitados no HUERB foi confirmada pelo Spate. A partir dai a reportagem teve conhecimento de diversas queixas verbalizadas à fiscalização Regional de situações criticas de atendimentos aos clientes nos setores de emergência.
Uma delas consta no relatório do COREN, da mãe de uma paciente que angustiada, não sabia mais a quem recorrer. O quadro da filha era grave, com várias patologias. Os fiscais do Conselho a encontraram em uma maca há 14 dias. A paciente é deficiente mental, cirurgiada com válvula cardíaca, portadora de asma crônica e que adquiriu uma infecção generalizada.
“Verificamos que isso é uma situação deplorável, pois a referida paciente estava com escaras, em razão das condições de assistência”, diz o documento.
O OUTRO LADO:
Ao tomar conhecimento do relatório de fiscalização do COREN na última sexta-feira (14), o secretário de estado de saúde, em exercício, Irailton Lima ficou surpreso, considerando o franco processo de melhoria para o HUERB. Ele garantiu contribuir com as informações.
No final da tarde de terça-feira (18), o secretário respondeu afirmando que está tomando as medidas cabíveis para apurar as denúncias na esfera administrativa, como determina a Lei complementar de Nº 39/93 e outros correlatos, bem como corrigir as possíveis falhas relatadas.
“O compromisso do governo do Acre, bem como dos gestores e profissionais de saúde é acolher os pacientes com qualidade e responsabilidade e não medir esforços para preservar a vida de cada um que chega à unidade”, garantiu.
A Sesacre reconheceu a crescente demanda por serviços nos últimos anos. Apontou o aumento da violência e do número de acidentes como fatores decisivos para a sobrecarga de trabalhos nas portas de urgência além de apresentar custo elevado do setor. Ainda segundo dados oficiais, 18 mil pessoas passaram pelo HUERB nos últimos dois.
“O Huerb é um dos maiores hospitais da Região Norte e atende não só a população do Acre, como também pacientes de outros estados e até países, como Bolívia e Peru”, acrescentou Irailton.
Para atender a demanda, que cresce a cada dia, devido a grande procura pelos serviços de urgência e emergência, o governo do Acre afirma que vem investindo em reforma e ampliação do hospital, implantação de novos leitos de UTIs e de clínicas, na oferta de novas especialidades clínicas e de alta complexidade, além da contratação de profissionais, por meio de concurso público, para garantir aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) acesso a procedimentos de saúde no próprio estado, e perto da família. A Sesacre não informou porque as obras orçadas em R$ 25 milhões de ampliação do Hospital de Urgência e Emergência se arrastam há anos.
Com relação à superlotação, a Sesacre confirmou que em média 30 pacientes dão entrada na emergência clinica por dia, mas afirma que no Acre, “o conceito de atendimento é de vaga Zero na urgência, preconizado na Portaria 2.048 GM/MS, sendo todos atendidos por prioridade de gravidade”.
A Sesacre disse que nos dias 25 e 26 de fevereiro, de acordo com o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica, aconteceram sete óbitos e não oito como declarou o COREN. “Foram realizados todos os procedimentos necessários para que a vida desses pacientes fosse preservada, mas, infelizmente, nem sempre isso é possível. As causas das mortes não são consequência da suposta superlotação e tampouco por falta de material, medicamentos ou equipamentos”, informou.
Quanto ao atendimento aos pacientes em situação de emergência no piso da unidade, a direção e os profissionais do hospital, como também a gestão da Sesacre, desconhecem tais procedimentos.
Já em relação à suposta negligência apontada no referido relatório, há que ser investigada pelas instituições competentes, haja vista tratar-se de transgressão em todas as áreas passíveis de punição.
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