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“A queda de Dilma não é definitiva: PT tem reservas”, diz analista

A queda da presidenta da República, Dilma Rousseff, nas pesquisas de opinião pública, como Datafolha e Ibope, não é definitiva, já que o PT tem reservas, analisa o doutor do Departamento de História da Universidade de São Paulo, Lincoln Secco, em entrevista exclusiva ao Diário da Manhã.


Segundo ele, a nova base social do PT, que o cientista político André Singer define como “subproletariado”, quer a bênção do Estado e rejeita a desordem. Escritor, ele avalia que a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, foi a beneficiária das manifestações de junho.


O historiador, que defende o financiamento público de campanhas eleitorais, frisa que o Congresso Nacional jamais revogará os seus privilégios. Daí a sua recusa em aprovar a proposta de plebiscito e de uma reforma política republicana. Para ele, a grande mídia baniu José Dirceu da vida pública.


Leia a íntegra da entrevista


Diário da Manhã – Qual o sentido das manifestações de maio e junho no Brasil?


Lincoln Secco – Elas iniciaram como um tradicional protesto setorial de militantes de esquerda. Mas já havia ali uma novidade: o MPL é uma organização horizontal. Não é nem um partido e nem um movimento social tradicional satelizado por um partido. É autonomista. Eu conheço alguns de seus principais membros em São Paulo porque foram meus alunos. A ausência de liderança partidária permitiu que, no momento seguinte, a entrada em massa de pessoas no protesto fragmentasse a pauta de reivindicações e permitisse à grande imprensa “dirigir” a maior parte dos manifestantes. É que os partidos não sabem acompanhar a nova dinâmica das ruas.


DM – Os protestos foram hegemonizados pelas classes médias? Por quê? Onde estava o subproletariado?


Lincoln Secco – A classe média ficou sem liderança desde o escândalo do mensalão. Naquele momento, ela se afastou do PT, mas a oposição não conseguiu dirigi-la. A Grande Imprensa cumpriu este papel. Só que a Rede Globo e a Veja não são partidos políticos stricto sensu. Assim, o PT continuou no poder político. Essa massa que saiu às ruas finalmente encontrou a maneira de fazer oposição ao governo sem a mediação dos partidos. Isto explica também o caráter confuso dos protestos e que atinge inicialmente até políticos queridos pela mídia.


DM – A direita controlou a pauta?


Lincoln Secco – É difícil falar em controle direto. Mas a maioria das palavras de ordem são aquelas que a mídia vem martelando na cabeça das pessoas desde que Lula chegou ao poder: corrupção, corrupção, corrupção.


DM – Pela primeira vez, em seus 33 anos, o PT fica à margem de manifestações: o que isso representa?


Lincoln Secco – O PT abdicou de mobilizar o povo desde que chegou ao poder. Na lógica lulista descoberta por André Singer a nova base social do PT quer apoio do Estado e rejeita a desordem. Assim, o PT contenta os muito ricos e os muito pobres e acredita que pode garantir estabilidade eternamente. Mas isto é uma ideologia e não um fato natural. O PT esqueceu da classe média, como eu já havia escrito na “História do PT”. Esta era a sua questão meridional, para citar Antonio Gramsci: o enorme eleitorado do mundo corporativo, de colarinho branco, de pequenos burgueses do sul, sudeste e “clientes” do agronegócio do centro oeste. Esta camada tem razões materiais para se opor: paga impostos, não tem serviços públicos bons e paga novamente por escola e saúde privadas. O PT optou por uma aliança social entre o de cima e o de baixo, enquanto antes do poder ele se propunha a fazer uma aliança dos trabalhadores com os setores médios. Fez esta opção porque não poderia manter a estabilidade monetária sem o apoio do grande capital e não podia manter o poder sem o apoio dos pobres. Para contentar a classe média teria que mudar as alíquotas do imposto de renda, taxar as grandes fortunas e arrumar fontes de financiamento do setor público em prejuízo do grande capital. Agora a classe média foi às ruas e parece ter encontrado eco até mesmo entre os pobres que melhoraram de vida.


DM – Qual o motivo da resistência do Congresso Nacional em aprovar o plebiscito e a reforma política?


Lincoln Secco – Um parlamento jamais revoga seus privilégios. A própria Constituição jamais prevê uma Assembleia Constituinte, pois seria um suicídio jurídico, como me explicou meu amigo Procurador da AGU Luis Franco. Só uma movimentação das ruas pode obrigar o sistema político a mudar. E isto aconteceu em junho. A manifestação foi ótima sob este aspecto. Sua confusão abriu uma fase de disputa acerca de seu significado. Os conglomerados dos meios de comunicação saíram na frente e deram o tom. Dilma respondeu bem, mas recuou. É que a reforma política seria o instrumento adequado para uma pauta de reivindicações tão ampla. Afinal, por que os investimentos sociais não aumentam? Por que teria que mudar as prioridades orçamentárias definidas legalmente pelo parlamento. Por que há tanta corrupção para eleger e, depois, para governar? Por que o tipo de financiamento e o sistema partidário precisam mudar. Por que assalariados pagam tanto imposto de renda? Porque o congresso não faz uma reforma tributária que penalize os muito ricos.


DM – O que deveria conter uma reforma política democrática e republicana no Brasil?


Lincoln Secco – O velho Caio Prado Junior tinha um lema: “É preciso deixar o povo falar”. As pessoas saberão escolher. De minha parte acredito que o principal é acabar com financiamento por pessoas jurídicas. O Capital não pode desequilibrar o jogo político. Cada partido que dispute recursos junto ao povo, mobilizando-o. Até alguns membros da Rede da Marina querem fazer isso. Claro que o financiamento público exclusivo poderia ser uma proposta discutível, a proporcionalidade justa do voto entre os eleitores dos estados da federação, o voto em lista fechada ou misto etc.


DM – O que significa a exclusão de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares da direção nacional do PT?


Lincoln Secco – Este já é um assunto da História do PT. Dirceu ainda tem influência interna, mas a Grande Imprensa conseguiu bani-lo da vida pública. O principal efeito da crise de 2005 foi derrubar as principais lideranças petistas que poderiam substituir o Lula sem que novas já estivessem prontas para isso. Há um sentimento difuso no PT de que Dilma não é um quadro histórico partidário e que por isso não acata as pretensões do partido.


DM – Apesar da estabilidade da economia, da situação de pleno emprego, dos programas sociais, Dilma caiu nas pesquisas: é definitivo?


Lincoln Secco – Não sabemos qual será o nível de emprego nos próximos meses. Mas o desconforto que a classe média vocalizou nas ruas não é só dela. E esta é mais uma lição esquecida pelo PT. Os pobres querem ainda mais os bons serviços públicos e se incomodam com gastos da Copa do Mundo quando não há médico no posto de saúde. É por isso que as manifestações de junho foram da classe média, mas tiveram o apoio passivo da maioria da população segundo as pesquisas. Isto derrubou a popularidade de Dilma. Não é definitivo porque o PT tem reservas: ele continua em primeiro lugar e tem um sólido apoio entre trabalhadores manuais e pessoas de baixa renda em geral. Mas já não nutre certezas.


DM – Marina Silva pode ser eleita em 2014?


Lincoln Secco – Sim. Ela foi uma beneficiária das manifestações de junho. Apareceu como alguém fora do establishment político e defende uma causa horizontal cada vez mais popular: a Ecologia. Mas só isso não elege ainda. Ela não tem estrutura partidária, apoio total da Grande imprensa, alianças regionais etc. Pouca gente sabe o que ela pensa do modelo econômico, das privatizações, da Comissão da verdade, da revogação da lei da anistia, pacto federativo, guerra fiscal e de causas morais (já que ela é evangélica). E tudo isso conta num País continental e diversificado.


DM – O que há de atual em Karl Marx?


Lincoln Secco – Marx sobreviveu às tempestades do século XX porque dois de seus grandes temas permanecem válidos: a dinâmica do capital como um movimento automático sempre sujeito a crises e a luta de classes.


DM – O que o senhor anda lendo?


Lincoln Secco – Rosa Luxemburgo. Ela se torna atual mais uma vez depois de junho.


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