Um integrante das brigadas de combate à malária na Amazônia, intoxicado durante o preparo da solução do inseticida DDT – Dicloro Difenil Tricloroetano – para borrifamento de casas nas áreas urbana e rural do Acre, vai receber uma indenização por dano moral de R$150 mil. A decisão é da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região que condenou a Funasa, sucedânea da antiga Sucam, a indenizar o “malaeiro” .
Emir Rodrigues de Mendonça foi contratado para atuar como inspetor de epidemiologia, em 1º de março de 1965, e exerceu depois o cargo de inspetor geral de endemias na antiga Superintendência de Combate à Malária (Sucam), de onde foi demitido em 18 de novembro de 1980.
Mendonça é um dos chamados “guardas” da Sucam, os quais, nas décadas de 60, 70 e 80, usando apenas uma farda tradicional e acessórios para borrifação, enfrentavam as condições insalubres de meio ambiente de trabalho com alto grau de nocividade para a saúde humana no desempenho das ações de combate à malária.
Além das condições insalubres no ambiente de trabalho, a Justiça do Trabalho constatou, ainda, no período, ausência de treinamento e não fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) aos “guardas” da Sucam.
Para comprovar que as doenças de que padece são decorrentes da intoxicação sanguínea pela aspiração no manuseio direto de DDT, Mendonça apresentou diagnósticos assinados por médicos de Rio Branco, Goiânia, São Paulo e Brasília, confirmando o chamado “nexo causal”, o que levou o juízo da 1.ª Vara do Trabalho de Rio Branco a condenar a Funasa ao pagamento de reparação por danos morais no valor de R$50 mil reais.
Mesmo tendo contribuído para o progresso socioeconômico da região, merecendo destaque a atuação dos servidores da extinta Sucam, popularmente conhecidos como “malaeiros”, o trabalho de erradicação da malária, se por um lado beneficiou a população de um modo geral, por outro, o fez com o sacrifício de um “exército de trabalhadores”.
Com esse entendimento, os desembargadores da Primeira Turma, na sessão de julgamento realizada no dia 3 de agosto de 2012, afastaram a tese da prescrição por entender que, nos casos de doenças ocupacionais, a contagem do prazo prescricional para ajuizar a ação indenizatória não está vinculada à data da extinção do contrato de trabalho, do aparecimento da doença, do diagnóstico ou mesmo do afastamento, mas, sim, a partir da data em que a vítima tomou conhecimento da existência da incapacidade permanente, o que, no caso, só ocorreu em 18 de setembro 2008, com a realização do laudo toxicológico, quando o reclamante obteve comprovação de que as doenças que o acometem têm como causa o provável uso e manuseio do DDT durante o desempenho de suas atividades laborais na reclamada.
Como Mendonça ingressou com ação reparatória em 9 de novembro de 2009, não havia transcorrido o prazo prescricional de 5 anos, ao contrário de outros processos que são julgados pela Justiça Federal, o presente feito é de competência da Justiça do Trabalho, porque o reclamante pleiteia reparação de danos morais decorrentes de doença ocupacional relativa ao contrato de trabalho ( 1º de março de 1965 a 18 de novembro de 1980), ou seja, antes da transmudação do regime celetista para estatutário dos servidores da Funasa.
Embora não atuasse como “guarda” borrifador, o reclamante era o responsável pelo planejamento de todas as operações de inseticidas: DDT – Pó, preparo do DDT Solução, que consiste na mistura de DDT Grau Técnico Puro com querosene para dedetização das casas pintadas de tinta a óleo e solução de pasta DDT à base d’água, bem assim fazia o transporte e fiscalização de pesagem do DDT para todos os Municípios acrianos e alguns amazonenses.
O reclamante mantinha contato direto com DDT-Pó e DDT-Pasta, e na ação inicial alegou nunca ter recebido EPIs (roupas impermeáveis, luvas, máscaras) que evitassem o contato com a pele ou inalação, e, por isso, teve vários problemas de saúde e padece de várias doenças respiratórias, dores no estômago, secura na boca, dores nas articulações, principalmente, na coluna vertebral, erupções cutâneas, espondilólise, problemas na garganta, trombose crônica da porção cervical distal da veia jugular interna direita, insônia, redução de anticorpos e do teor de cálcio no organismo.
Por ocasião do julgamento realizado no dia 5 de junho de 2013, em seu voto, a relatora, desembargadora Maria Cesarineide de Souza Lima, ressalta a existência de estudos que revelam que os pesticidas organoclorados, dentre os quais se inclui o DDT, atuam sobre o sistema nervoso central, resultando em alterações de comportamento, distúrbios sensoriais, do equilíbrio, da atividade da musculatura involuntária e depressão dos centros vitais, particularmente da respiração.
Para a relatora, os fatos caracterizam a responsabilidade tanto subjetiva quanto objetiva da Funasa, uma vez que as doenças de que o autor padece são decorrentes do trabalho que desenvolveu na antiga Sucam, ficando a conduta culposa da atual Funasa plenamente demonstrada nos fundamentos da decisão, tendo não só causado ao obreiro intensa dor física e incapacidade laboral, mas também debilitado a sua capacidade de autoestima – dor psíquica.
Solidarizando-se com a dor desses trabalhadores, a relatora registrou, poeticamente, no voto, as seguintes palavras:
Este homem,
como tantos outros trabalhadores,
Bate as portas desta Justiça Trabalhista
para narrar suas dores,
suas desditas,
suas aflições.
Conta que na década de sessenta
Cheio de sonhos, juventude e energia
Ajudou, como um dos “soldados” da SUCAM,
a combater várias endemias
dengue, malária, febre amarela,
Dentre tantas outras que grassavam nesta região
e ceifava a vida de tanta gente.
Para o combate, porém,
nada foi lhe dado, qualquer equipamento de proteção.
As armas que dispunha, além da determinação,
Era a força de seus braços, a destreza de suas mãos.
Ele sequer sabia
Que na Suíça, em 1939, e nos Estados Unidos, em 1972,
O pesticida por ele usado, o DDT devastador,
Fora banido, proibido,
Pelos inúmeros males que causou.
Mas, o produto era barato, o Brasil não se importou.
E a SUCAM, o seu órgão empregador,
A quem ele tanto se dedicou
com orgulho, vigor e alegria
Foi inerte, indiferente
Simplesmente silenciou,
negligenciando os seus agentes.
O tempo passou…
As suas forças enfraqueceram…
O seu corpo ficou doente,
O seu sonho de herói tornou-se um pesadelo!
E o mais triste:
Apesar de tanto desvelo
foi desprezado por seu empregador,
foi esquecido por sua gente.
E o seu inconformismo maior
foi somente hoje ter ciência
de que o veneno daquele terrível pesticida
Não só corroeu o solo, a fauna e a flora,
impregnou suas roupas, misturou-se ao seu suor,
Mas, também, corre, apesar das três décadas passadas,
juntamente com o seu sangue em suas veias,
Consumindo pouco a pouco a sua existência.
Diante de tanto drama
Em silêncio, esta Justiça Trabalhista chora
E eleva preces ao Juiz dos Juízes
Para que Ele acolha em seus braços os outros trabalhadores,
companheiros deste reclamante,
Que já partiram desta vida
Sem sequer saber a origem de suas feridas
E também os que aqui ainda estão
que precisam de solução.
Cuida deles, Senhor, como um Deus, lá no CÉU.
Que aqui, na TERRA, iluminados pela luz Divina,
como julgadores vamos distribuir Justiça, na medida do possível,
para tornar mais ameno e feliz cada alvorecer de suas vidas.
O artigo 21, inciso I, da Lei n.º 8.213/1991, assinala que se equipara ao acidente do trabalho o acidente relacionado ao trabalho que haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a redução ou perda de sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.
Assim, a responsabilidade civil do empregador não se limita às hipóteses de acidente do trabalho ou doença ocupacional, mas abarca as lesões que porventura o trabalho em condições adversas lhes cause, sejam elas à margem das prescrições normativas à saúde e segurança do trabalho, sejam pela contrariedade de prescrições médicas capazes de avaliar periodicamente o trabalhador em seu ambiente de trabalho, o que se afigura nos presentes autos.
Participaram ainda da sessão a desembargadora Elana Cardoso Lopes, o juiz convocado Shikou Sadahiro e o procurador do trabalho Ailton Vieira dos Santos. (Processo 0000511-61.2011.5.14.0401)
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