Preservar a biodiversidade da Amazônia é tema constante nas discussões sobre meio ambiente, mas produtos da área de floresta inundam o mercado consumidor brasileiro e recheiam a pauta de exportações do país sem que se tenha certeza da legalidade da extração. O Brasil é o segundo maior produtor de toras do mundo e o primeiro de madeira serrada. Com um mercado interno gigantesco, as exportações representam no máximo 20% da produção. Mesmo assim, as vendas externas são consideráveis.
Em 2012, os nove estados da Amazônia Legal exportaram cerca de US$ 625 milhões em diversos tipos de madeira ou produtos feitos a partir dela. Espécies nobres, como ipê, cedro, cerejeira, imbuia ou outras descritas apenas como “madeiras tropicais” são exportadas por estados como Acre, Rondônia e Mato Grosso. Em Roraima, a madeira representa 45% das exportações do estado. No Acre, essa participação chega a 56,8%. Até mesmo no Maranhão, onde a floresta só sobra em áreas de conservação, há exportadores. Do pequeno município de Santa Luzia do Paruá, colado ao último mosaico de floresta do estado, no entorno do Rio Gurupi, saem madeiras que renderam US$ 410 mil em exportações no ano passado.
— Combatemos o desmatamento, mas não sabemos quanto cada estado autorizou a desmatar legalmente, com manejo florestal. Para combater a ilegalidade, é importante quantificar o que é legal. Em fevereiro, apreendemos seis balsas carregadas com 2 mil metros cúbicos de toras, o que equivale a 80 caminhões cheios, em Anapu, no Pará. Em geral, os estados têm pouco rigor ou rigor nenhum nas autorizações de desmatamento. Licenciam, mas não fiscalizam — explica Luciano Evaristo, diretor de proteção ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Para Evaristo, o problema na exportação não está no porto, mas na origem. Geralmente, a madeira circula com documentos “esquentados”, de planos de manejo inexistentes ou superestimados aprovados pelos estados.
Batalha entre o legal e o falso legal
O Ibama tem hoje créditos virtuais de madeira embargados num total de 17 milhões de metros cúbicos, o equivalente a 850 mil caminhões carregados de toras. Se fossem colocados em fila, ocupariam 17 mil quilômetros em linha reta. A quantidade bloqueada se aproxima da produção de um ano todo da Amazônia Legal. O bloqueio também retirou do mercado papéis que permitiriam a venda de 4 milhões de metros cúbicos de carvão.
— A batalha hoje não é entre o ilegal e o legal. É entre o legal e o falso legal. Documentos maquiados legalizam madeira de florestas fictícias. O resultado é uma concorrência desleal, pois o produto ilegal custa entre 40% e 60% menos — afirma Alan Rigolo, coordenador de certificação e gestão de riscos da Amata Brasil, empresa do setor florestal.
O Imazon, instituto que monitora a Amazônia Legal, pesquisou a exploração de florestas entre agosto de 2010 e julho de 2011 no Pará e Mato Grosso. No Pará, dos 81.092 hectares de florestas exploradas, 60% não tinham autorização da Secretaria de Meio Ambiente do estado. No Mato Grosso, 47% dos 65.454 hectares desmatados estavam irregulares.
— O desmatamento diminuiu nos últimos anos, mas o percentual de operações ilegais permanece. Em média, chega a 36% na Amazônia Legal — estima André Monteiro, pesquisador do Imazon.
Plantas medicinais, pedras e peixes
Além da madeira, a Amazônia Legal permite ao Brasil uma série de ganhos. De Barra do Corda (MA), vizinho a terras indígenas, saem para a China e Alemanha matérias-primas para medicamentos. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que o município exporta quercetina, substância extraída de plantas, com ação anti-inflamatória, antiviral e antialérgica, além de inibir a catarata em diabéticos.
Outro produto é a rutina, conhecida como vitamina P, extraída do fruto da árvore brasileira fava-d’anta, usada em drogas de tratamento de problemas vasculares, como varizes, e que reduzem sintomas de hemofilia. A rutina e a quercetina ocupam o 10º e o 16º lugar entre os produtos mais exportados no Maranhão. O Pará também exporta plantas para fins medicinais e perfumaria.
Peixes dos rios da Amazônia, como tambaqui, surubins, dourada e piramutaba são exportados, por exemplo, por Roraima e Amazonas. Os minúsculos e coloridos peixes ornamentais vendidos ao exterior renderam quase US$ 8 milhões no ano passado, exportados pelo Pará e Amazonas. Há ainda comércio legal e ilegal de pedras preciosas e o ouro. Juína, no Mato Grosso, é grande exportadora de diamantes e o estado tem no ouro o nono produto mais importante de suas vendas ao exterior.
Cleide Carvalho, repórter de O Globo