Acre sofre com enchentes anuais e Defesa Civil
desestruturada, revela reportagem da Agência Camara
Reportagem da Agência Câmara
Nos últimos nove anos, o Acre enfrentou sete enchentes – desde 2009, elas acontecem todos os anos. A pior delas ocorreu no ano passado e deixou 8,5 mil pessoas desabrigadas. A reportagem da Agência Câmara foi até os dois municípios mais atingidos: Brasileia e a capital, Rio Branco, para verificar se algo vem sendo feito para diminuir as consequências das enxurradas anuais à luz da nova Lei de Proteção e Defesa Civil (12.608/12), fruto de iniciativa do Congresso Nacional.
“Não houve nenhuma mudança preventiva do ano passado para cá”, denuncia a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), moradora de Rio Branco e presidente da comissão especial da Câmara que elaborou o texto-base sobre medidas preventivas diante de catástrofes, que resultou na nova lei do setor.
As repetidas enchentes não serviram para estruturar a Defesa Civil no estado. “Temos dificuldade de estrutura, de organização e de corpo técnico”, enumera o ex-coordenador de Defesa Civil estadual João de Jesus Oliveira. Nos municípios, a falta de estrutura se repete. “Dos 22 municípios do estado, só dois têm defesa civil estruturada e funcionando. Nenhum tem núcleo de defesa civil na comunidade”, resume. O estado também não conta com sistema de alerta e nem tem previsão de ter.
O sistema de acompanhamento do nível dos rios e das chuvas também é considerado insuficiente, apesar de ter registrado um avanço em junho do ano passado, quando depois da grande enchente, o rio Acre, que corta Rio Branco e Brasileia, passou a ser monitorado pela Agência Nacional de Águas. “O monitoramento tem melhorado, mas ainda falta muito para ser satisfatório”, diz Alejandro Duarte, pesquisador em clima da Universidade Federal do Acre.
Brasileia
Ano passado, Brasileia ficou praticamente toda debaixo d’água. Mas poderia ter sido diferente. A enxurrada demorou cerca de 3 horas para percorrer os 110 quilômetros entre Assis Brasil e o município. Ou seja, “era previsível, mas não houve ação”, admite o ex-coordenador de Defesa Civil do Estado, João de Jesus Oliveira. “Se nós tivéssemos uma Defesa Civil bem estruturada e uma população treinada, a cidade teria sido evacuada.”
Sem uma ação integrada da Defesa Civil, o único Corpo de Bombeiros da região precisou da ajuda de voluntários e militares. “Como não existe Comissão Municipal de Defesa Civil nem plano de contingência, tentamos fazer uma sala de situação na prefeitura de Brasileia, que também acabou sendo inundada. A partir daí, cada um agiu por conta própria”, lembra o subcomandante do único Corpo de Bombeiros da região, Arleudo Batista.
Não houve registro oficial de morte, mas Brasileia ficou destruída. Hoje as ruas já estão limpas, os prédios públicos foram pintados, mas nenhum dos barrancos que desabaram recebeu obras de contenção. Os prejuízos somaram cerca de R$ 30 milhões – o equivalente ao orçamento anual da prefeitura. Por isso a ajuda dos governos estadual e federal é considerada essencial para a reconstrução da cidade. A principal obra que precisa ser feita é uma barreira de contenção do rio Acre e a reconstituição da encosta. Apenas essa intervenção está orçada em R$ 11,5 milhões, mas a obra ainda está longe de ficar pronta.
A população também não recebeu orientações. “Se a tragédia se repetisse hoje, sem estruturação da Defesa Civil, com certeza as perdas seriam da mesma natureza, porque não foi mudado nada”, afirma Batista. A prefeitura contesta. “Se ocorrer de novo, vamos saber o que fazer”, afirma Clécio Gadelha, secretário de Obras.
Em Brasileia, a prefeitura não sabe se alguém teve ajuda para pagar aluguel e nem há promessa de casas populares para os desabrigados. “A reconstrução está sendo feita com doações, algumas famílias vão para a floresta tirar madeira para erguer barracos. As pessoas estão se virando como podem. Ainda não teve nenhuma ajuda do poder público”, lamenta o presidente da associação do bairro 28 de Maio, Marcos José Filho.
Rio Branco
Na capital acriana, no último ano foram feitas poucas ações concretas de reconstrução e prevenção a novas enchentes. Mas existe a promessa de melhoria para quem vive nas áreas mais alagadiças. “O correto é a remoção dessas famílias das partes mais baixas. Esse é o primeiro procedimento”, afirma o coordenador de Defesa Civil de Rio Branco, George Santos.
A prefeitura afirma que a remoção de moradores de área de risco já está ocorrendo, mas nenhum representante do órgão soube precisar quantos já foram atendidos. Assim como também não foi divulgado o número de atingidos pela enchente do ano passado que recebem ajuda para pagar aluguel.
Na avaliação do governo estadual e da prefeitura, a solução definitiva para o problema das enchentes serão as 10,5 mil moradias do Minha Casa, Minha Vida que vão ser construídas num lugar chamado Cidade do Povo. As obras recém começaram e o primeiro lote com cerca de 3 mil casas está previsto para ser entregue no ano que vem.
“Eu não consigo ver a Cidade do Povo como a solução. Ela é importante, necessária, mas precisamos de todas aquelas casas e vamos precisar de muito mais. Mas se não houver uma intervenção nos bairros, de suspensão das casas, inclusive de ruas, e retiradas de um grande número de pessoas interditando regiões, a gente não resolve”, critica a deputada Perpétua Almeida.
A remoção das áreas de risco também enfrenta a resistência dos moradores. É o que acontece no Bairro Taquari, um dos primeiros a serem atingidos quando o rio Acre transborda. “As pessoas preferem passar pelo transtorno da cheia, ir para um abrigo e voltar para cá, do que ir morar em outro canto. A casa que o governo dá não tem quintal, o que separa uma moradia da outra é só uma parede”, resume Salim Manasfi, liderança na comunidade.
Não há previsão de obras de contenção de barrancos ou do Rio Acre. “Mas temos um projeto, que está em andamento, cuja primeira etapa é fazer um diagnóstico onde existem os pontos principais de alagamento”, explica Ana Claudia Cunha, secretária municipal de obras de Rio Branco. O governo já vem realizando obras pontuais de drenagem na capital.
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