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Almofadas na Cruz do Jorge

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Não sei se é engano meu, mas tenho a impressão de que temos um Senador que, toda vez que concede entrevista na televisão, aparenta falar somente para seus correligionários. Parece que seu discurso grave e doce é para convencer alguns de seus companheiros nesses seminários políticos de fim de semana, lotado de puxa-sacos mantidos na esfera pública por um gordo salário de cargo de confiança.


Em mais uma dessas entrevistas ensaiadas, que mais parecia um ritual budista noturno no Tibete, esse Senador defendeu a pensão para ex-governadores com argumentos tão fracos quanto absurdos e sem sentido.


Havemos de respeitar seu ponto de vista, mas sou mais um que discorda. Mais um que por essas e outras se desiludiu com as ideologias partidárias recentes e passou a ver política como um salto no impossível para se dá bem, ganhar sozinho o que todos financiam.

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Vejamos! Eu pus em aspas as palavras desse senhor, mas não estão protegidas:


“Eu fiquei oito anos, como governador, quatro como prefeito e economizei tudo que pude.”


 Economizei tudo que pude de onde? Se for dinheiro público não fez mais que obrigação. Despertados na manhã seguinte, se isso assim ocorreu, vemos que fora uma austeridade momentânea, porque depois vem o gasto deslavado com essas pensões imorais.


Não entro nem no mérito dessa afirmativa, mas a acho rude e pobre, deslocada do tema em pauta. Em um basilar modelo lógico, longe de interesses meramente particulares, soa claro que “isso” não implica “naquilo”.


Alias essa é uma das marcas negativas do PT no Acre: se construiu em cima da fragilidade administrativa anterior, fazendo com que atos meramente gerenciais, por exemplo, fosse visto e tido como algo tão notável como queimar o dedo na descoberta do fogo. Propagam o medo e as trevas, como se tivessem o poder do condenar eterno para todos os que não seguem os seus olhares.


 Repito: isso, pra mim, não justifica a indecência de ter em doze anos o que os outros nunca terão em mais de três décadas, contribuindo sem qualquer regalia.  Acertou, ao meu sentir, a sensata orientação da ministra do STF Carmem Lúcia:


“não existe, na Constituição Federal de 1988, qualquer norma prevendo a concessão de privilégios semelhantes a ex-presidentes da República, o que torna inviável ao legislador estadual conceder pensão a ex-governadores”.


“pagamento sem trabalho é doação e nesse caso seria doação com dinheiro público”


 “pensão” para ex-ocupantes de cargos políticos de caráter transitório afronta o princípio da igualdade, uma vez que desiguala os cidadãos que se submetem ao regime geral da previdência e os que proveem de cargos públicos de provimento transitório por eleição”.  (Cármen Lúcia).


Sigamos nosso samba descompassado:


“Foram oito anos, fazendo um governo franciscano para realizar todas as obras, mas as pessoas às vezes não sabem e nem têm a obrigação de saber, quanto de cuidado tenho que ter pelo resto de minha vida. Quanto custa isso? Quem vai pagar isso? Para que eu pudesse tomar as medidas que tomei, de baixar os atos que baixei, de livrar o Acre do crime organizado.”


Que drama! Quanto sofrimento! Não tem como não me lembrar de minha infância em que minha mãe ralava pedaços de pimentão na comida, a fim de que pudéssemos acabar com as manias infantis de não querer comer verdura.

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O mais iludido nisso acreditaria que a melhor forma de compensar tanta luta em prol do Acre seria erguer uma estátua em frente ao quartel de cem metros: com direito a rezas, choros e gratidão por tanto heroísmo.


 Se quiséssemos premiar essa aparente bravata, diríamos que esse Senhor precisaria é de um prêmio particular, pois não há como imaginar que essa herança de provações se transmitisse para os outros que não passaram por tamanho perigo.


Outros ex-governadores deveriam não aceitar o que recebem. Ou virem a público e dizer que sofreram com os mesmos bichos-papões, lutaram contra os mesmos duendes que o senador em questão, tendo de usar seus poderes mágicos e seus raios laser para combater os males acrianos, por exemplo.


Se os motivos apresentados por ele fossem razoáveis, e tivéssemos que premiar quem participou das cruzadas que ele desenha em sua fala, mais gente além deveria receber isso, já que, ele próprio alega que não fez isso sozinho. Aí, seria o fim!


SALVEJORGE


Mas isso é retórica de bêbado que traça linha reta pra chegar ao carro. O que vemos é o que está: milhões gastos todo ano para premiar um clube de ex-governadores aposentados, baseados no heroísmo particular de um “santo que alega ter matado o dragão”. Não concordo! Mas não concordo, mesmo!


“A gente tem que olhar um pouco as coisas, porque às vezes as aparências enganam”.


Isso é verdade! Estamos olhando sim! E tentando não ser para poucas coisas. Entre as palavras de palanques e as condutas quando chegam ao poder, aprendemos na carne o quanto as aparências enganam.


 A Ação Penal 470 mostrou bem isso. Revelando que a diferença entre passado e presente para alguns é que ontem pegavam em armas, com a condenação no STF, agora, foi esclarecido que pegavam em grana.


Senador, o Senhor só convence os seus. Aqueles que por algum motivo devem aceitar uma prática colonial como essa. Aqueles que não passam em concurso público e tem de ficar fabricando caras para as ocasiões mais divergentes. Os eternos amigos: aqueles que saem em procissão miúda, em cada início de gestão e que não esquecem as flores no aniversário do casamento.


Esperemos o posicionamento do STF. Tenho motivos suficientes para acreditar que algumas coisas mudaram no Brasil. Tenho motivos suficientes para crer que coisas como essas – pensão para ex-governador – serão coisas do passado, uma herança negativa que os futuros brasileiros não irão aceitar.


Eu continuo aqui! Remoendo um poema medieval português do século XIII:


Há um cristo falso em nosso meio. Um cristo que subornou o Judas. Um cristo que pagou o choro no seu calvário. Um cristo que escondeu o pão. Um cristo mudo, pois com almofadas em sua cruz não pôde dizer: por que me desamparaste?


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA      [email protected]


 


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