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O Diabo no confessionário

Por
Roberto Vaz

Tinha chegado ofegante, dava provas de que havia corrido muito para estar ali. Seu nome: Chico, Chico dos Ares, mais um Chico no meio de tantos outros desse país chamado Rasbil.


Não era alguém tão comum. Tinha roupas fora dos conceitos, uns adornos de bambu mal feitos, um livro de um desses socialistas de merda faltando páginas e uma bandeira preta amassada, soprada por uma boca cheia de álcool e decepção.


– Sim, diga! O que o senhor quer?


– Quero fundar um partido político. Um partido novo, um partido que nunca existiu aqui em Rasbil.


– O Senhor tá maluco? Já é noite, a repartição pública tá fechada. Além do mais… que porra é essa de partido novo? Olhe pro Senhor! Está descalço, sujo, maltrapilho e fedendo, banhado de álcool na cara. Vá pra casa se não vou ter que recolhê-lo. Não quero contaminar a prisão.


– Você pode fazer parte dele. Temos um setor para cuidar dos assuntos que extrapolem o uso da palavra…. sorria… você será meu braço forte. Uma ponte segura que unirá minhas ideias ao espírito do povo.


O guarda sabia que falava com um louco. Já tinha jantado, falado com a mulher e com a filha ao telefone, estava apenas esperando chegar a hora de poder se encontrar com uma de suas amantes. Parece que a daquela noite já tinha tido um caso com o próprio coronel. Isso lhe dava mais gana, mais tesão, queria mostrar pra ela que, na cama, não tinha patente: o que importava não estava na farda, mas dentro dela.


– Fico extremamente honrado com sua distinção para comigo. Mas, diga-me, como seria nosso partido, o que ele teria de novo em Rasbil?


O guarda estava disposto a brincar, se divertir um pouco, imaginou que isso lhe faria melhor, aliviaria seu ser para as delícias que provaria horas mais tarde.


– Policial é burro mesmo! Temos que lhe dar o feno e ainda mostrar-lhe os seus próprios dentes. Não sabe ler? Veja! Olhe! Em minhas mãos está o estatuto do meu… quer dizer, do nosso partido.


– Oh! Perdoe-me pela falta. É que não aparece aqui amiúde gente tão ímpar e culta como vossa senhoria. Tudo bem… mil perdões. Poderia, então, lê-lo para mim… quer dizer, para Rasbil, mostrar quais são as novidades partidárias?


O policial sentiu vontade de rir de forma escancarada. Mas se conteve. Arrumou a farda, juntou as mãos como se orasse, abaixou a cabeça até a altura dos ombros, e esperou a leitura do regimento em um documento que apenas o mendigo via.


– Que não se repita mais, pois perderá o comando da inteligência do partido. Vamos lá:


Artigo 1º O Partido dos Operários de Rasbil terá representação em todo o território nacional, podendo utilizar de todos os meios possíveis e imagináveis para ganhar uma eleição.


Artigo 2º O Partido dos Operários de Rasbil terá como fundamento ideológico os seguintes elementos:


a) pagar pensão vitalícia, para sempre, eternamente, para qualquer governante que sofra com os labores e as dificuldades do cargo, mesmo que não precisem, ficando facultado ao partido inventar historinhas e lendas, para justificar o ato, podendo até mesmo utilizar-se das riquezas florestais do país para confecção de caras, sendo vedado o uso de óleo de peroba;


b) refutar qualquer crítica ou acusação à estrutura do partido, mesmo que seja comprovado, visto e evidenciado por todos o natural cometimento de crimes, escândalos e afins, devendo seus membros utilizar as mais variadas e criativas formas de interpretação teatral, a fim de que possa, com a insistência e cinismo, convencer todos aqueles possuem menos de dois neurônios de que são anjos de asas azuis;


c) garantir, após plástica e maquiagem, a posse de seus candidatos condenados por qualquer tribunal, sendo assegurado a esses o papel de vítima e mártires da liberdade;


d) Comprar as opiniões dos parlamentares mensalmente, a fim de que possam sedimentar o projeto de governo do partido, sendo a todos obrigados a ensaiarem com insistência os dizeres: isso é apenas caixa dois, é conspiração das elites contra os pobres, e ele não sabia de nada.


e) Criar quadrilhas no Governo nos meses apropriados, a fim de que possa resgatar as festas caipiras do país, bem como seus valores históricos e culturais, sendo facultado, nesses arraiais, o uso de milho verde, pamonha, caldeirada e pizza, priorizando, se possível, o último elemento.


Então…o que acha… essa é só a primeira parte… gostou… se identificou com nosso projeto? Tenho certeza que sim. Ainda tenho mais coisas pra ler sobre ele. Escute!


– Não, já basta! O Senhor tem certeza de que essas pautas são novas em nosso país? Ao que me parece, Rasbil já vivenciou coisas desse tipo.


– Sério? Oh meu Deus! Onde estávamos que não mergulhamos no mar?


– O que iríamos fazer no mar, meu Senhor… o Senhor já me cansa.


– Ora, pois! És mesmo para o feno seu quadrúpede escuro. No mar nos juntaríamos às maiores feras, as mais espertas, as mais inteligentes também.


– Aos tubarões? Ser ferozes e imponentes como os carnívoros marinhos?


– Não, seu tolo! Não precisamos de uma casca dura. Seremos sutis, flácidos e delicados como…


– O Senhor está preso!


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA      f-r-p@bol.com.br


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Roberto Vaz

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