– Vamos! Por aqui! Silêncio… fala baixo… eles podem nos escutar.
– Mas eu não estou vendo nada. Posso ligar a lanterna do celular? Ao menos evitamos derrubar alguma coisa.
– Você tá maluco! Eles dormem naquela sala ali à direita. Se nos pegam aqui, estamos mortos. É o fim! Seja mais inteligente.
– Mas agora pouco você tinha essa ideia. Só não a concretizou porque seu celular caiu de bateria. Você deveria aceitar mais a opinião dos outros. Se não a seguir, ao menos a respeite, pois até as ilhas precisam das águas que as isolam.
– Era uma outra situação, um outro contexto. Somos ladrões. Sigamos!
– Você tem certeza que está aqui? Podemos estar enganado. Vamos voltar!
– Está aqui sim! Eu tenho certeza! Está com medo é? Seu frouxo. Nunca mais sai comigo para fazer essas coisas. Não é homem de coragem.
– Não estou com medo! Sei que o que estamos fazendo é errado, mas não me arrependo não. Vamos lá então…comandante. Se você estiver errado, os dois estão perdidos. Se o peso cai igual para os dois, por que só um pode ter o direito de escolher o que fazer?
– Situações e contextos definem tudo. Fala também que os dois ganharão! O peso cai para os dois, mas o prêmio, também. Não me venha com esse drama inadequado. Precisamos agir…rápido. Procura daquele lado que eu procuro desse. Somos ladrões!
– Hei, encontrei uma coisa aqui meio parecida com…
– Onde? Nossa. Como você é burro! Como aceita ser apenas uma pessoa que se resume aos olhos que tem na cara. Sente esse peso. Mede, apalpa com as mãos o tamanho. Não consegue perceber que isso não tem nada a ver com o que estamos querendo?
– Agora pouco você também imaginou que aquilo que tinha nas mãos era o que queríamos. Vimos, depois, que não era. Proporcionalmente o que estava com você era bem mais diferente do que agora está comigo.
Você adora ver nos outros o que sua vaidade e seu orgulho esconde de você. Não se engane aparente sábio! Seus defeitos também são vistos por quem está ao seu redor. O que mais diferencia a pessoa sensata do tolo é que a primeira sempre descobre algo a melhorar; enquanto a segunda tenta a cada dia enterrar uma falha sua, ressuscitando sempre duas mais.
– Não perca seu tempo com palavras que não levam a nada! São meras tolices. Era outra situação, outro contexto. Dentre em breve amanhecerá… eu ainda tenho de bolar um plano para sair daqui… somos ladrões! Sigamos!
– Alguém acendeu a luz. Acho que seremos descobertos.
– Tolo… é apenas os faróis de um carro que passou, jogando luz na parede. Como pode alguém não perceber algo tão óbvio?
– Nada mais natural… os sentidos são falhos. Lembra quando chegamos e você achou que alguém já estava aqui antes de nós, apenas por que ouviu um barulho no telhado? Depois, com calma, descobrimos que eram os galhos das árvores sofrendo com o forte vento. Não é a limitação que nos torna incapaz, mas sim a incapacidade de ver nossas limitações.
– Sem essa! Somente os fortes e resistentes tem a coroa, ganham o prêmio, sentem o sabor da vitória, podem se elevar acima de todos.
– Discordo! Ninguém sobe a mais alta montanha e se sente superior aos outros, quando guarda, na memoria, as dificuldades que passou para chegar até lá… e não esquece da ajuda dos muitos que ficaram no caminho.
Quem saberá se estes aparentes perdedores não eram apenas ajudantes que tinham outros rumos? Não se importaram em sair por alguns instantes dos seus alvos, pois no fundo sabiam que ajudar os outros sempre nos faz mais forte.
– Isso é uma outra situação! Um outro contexto! Pare de soprar besteiras! Somos ladrões!
Uma porta se abre, as luzes são acesas. Em uma outra situação, em um outro contexto os dois teriam escapados. Apenas um conseguiu. As balas daqueles revólveres refizeram o desenho da sala. Em uma outra situação, em um outro contexto, os dois estariam mortos.
Mas um sobreviveu! Bem longe, ria espantado, se perguntando como é que alguém se deixa enganar por faróis de carros.
Metros adiante, avistando a chegada de um carro da polícia que apenas rodava o local, alheio ao que tinha acontecido, o sobrevivente corre desesperado. Em uma outra situação, em um outro contexto, teria percebido aquele carro que cortava à noite com as luzes completamente desligadas.
Em uma outra situação, em um outro contexto. Não teria morrido.
Eram ladrões!
Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA f-r-p@bol.com.br
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