Categories: Crônicas de um Francisco

A velha que colecionava bonecas no hospício

Por
Roberto Gaz

– Boa tarde! Como está minha rosa?


– Estou bem, doutor! Hoje minhas filhas deram muito trabalho. Cansei, mas estou feliz como sempre.


– Que bom, Dona Vera! Então podemos conversar um pouco hoje? Quero ouvi-la mais.


– Por que busca meu passado, doutor? Que importância pode haver? Quem somos nós fora do presente? Os anos já se passaram profundamente… meus pensamentos nem mais visitam o que antes eu vivi. A chuva de ontem não nos regalará uma gota se quer.


– Mas é isso que busco, Dona Vera! É isso que busco! A senhora é meu maior desafio.


NO NAVIO


Com muito pesar te escrevo essas amargas linhas, meu grande amor. Hoje à tarde, preparei minhas malas, enxuguei as lágrimas que desenhavam minha face e, depois de pensar mais um pouco nas ordens e conselhos de meu pai, acho que agi corretamente.


Sei que é difícil pra nós dois essa triste separação. Nosso amor permanecerá, pois nossos sentimentos não se esvairão como as flores que se despedem no inverno.


Vera, eu voltarei. Concluído meus estudos, teremos condições de reiniciar nossas vidas e construirmos nosso destino. Nada mais a dizer que revelar a você minha saudade e ânsia de que tudo isso acabe logo. Eu te amo.


NO HOSPITAL


– Onde está o futuro pai? Preciso falar com ele.


– Doutor, minha filha nunca revelou. Talvez pela vergonha, talvez pela tristeza de ser uma mãe sozinha, Vera nunca tocou nesse assunto sem chorar amargamente. Pelo bem dela, não tocamos mais nesse assunto.


– Ela corre perigo. A gravidez é de extrema complexidade. Não sei o que fazer. A senhora está me compreendendo?


NO HOSPÍCIO


– Veja, Vera! Trouxe mais uma boneca para você. Sei que se encanta, e algumas vezes chora, quando lhe trago esse tipo de presente. É por isso que busco razões para seu comportamento.


– Mas meu gosto por seus presentes não tem nenhuma relação com meu passado. Sou fruto de um presente feliz.


– Você lembra de algo? Faça um esforço… não tem nenhuma recordação de seus pais… de seus filhos…de alguém que tenha feito parte de sua vida?


– Doutor, ainda guardo algumas filhas. Posso pegá-las, se isso ajudar em seus intentos.


NA MANSÃO


Filho, sua mãe e eu escrevemos essas tristes linhas para lhe informar que Vera não está mais entre nós. Sei que será difícil para você enfrentar tudo isso. Mas quero que saiba que fazemos coro com sua angústia.


Vera desapareceu, após um passeio com os amigos na floresta. Hoje faz quatro meses que não temos notícia dela. Se demoramos a informar-lhe sobre esse lamentável episódio, foi por que imaginávamos que pudessem encontrá-la, para que outro fosse o motivo que nos fizessem voltar a escrever-lhe. Mais detalhes daremos nas próximas cartas. De seus pais que tanto te amam.


NO HOSPITAL


– Doutor, o pai da criança não mora no Brasil. A família dele odeia minha filha. Nunca aceitaram que ele tivesse qualquer coisa com alguém que não tivesse o peso do dinheiro deles. Não temos culpa se o coração é cego para as questões financeiras.


– Compreendo! Como médico, devo dizê-la que a vida de sua filha é mais importante. É a coisa mais importante. A senhora está compreendendo o que quero dizer?


NO HOSPÍCIO


– Carmem, Lúcia,  Hérica, Helem, Bianca, Karina, Marta, Mércia, Sheyla, Valcilene, Tiana, Gina, Márcia, Bruna, Maria, Cristina, Sônia, Beatriz, Rackel, Marina, Regina, Alice, Aline, Isa, Débora, Mirna, Luana, Cecília, Joanna, Mirtes e Karoline, eu já disse a vocês que não devem dormir sem um bom cobertor. Não sigam as muitas outras irmãs de vocês. Vocês são as minhas favoritas… quem sabe, as que eu mais amo. Busquem um agasalho!Faz frio, e apenas o coração não aceita aquecimento material.


– Mas mamãe! Não queremos dormir agora. Quando tivermos sono, poderemos nos aquecer. Brincamos de roda o dia todo, e isso mostra que somos unidas e felizes.


– Isa, você é a que mais reclama! Astuta como o lobo da colina, perde-se em questionamentos infantis e tolos. Amadureça e saiba que nasceste depois de mim. Você que se diz tão polida e sociável, nem boa tarde deu para o doutor.


Também reparei que você não gostou de sua nova irmãzinha. Filha, ouça sua mãe…sua verdadeira mãe, se continuar assim, poderá terminar a vida só. Isso não é bom pra ninguém.


 Isa, a solidão nos conforta, mas nos deprime. Não há maior dor que um amor. Não a maior amor que o que se livra da dor. O amor precisa de ecos. Sou castelos desertos pela guerra vencida. Sou a armadura do guerreiro tombado nos campos que o sangue banhou.


 Eu fui refém de minhas próprias esperanças. Eu amarguei a opção desse caminho. Eu anoiteci a espera de quem tirou meu sono. Eu fui as mãos que se uniram na oração. Fui como a fera que devora a própria carne. Isa, eu sou a fera que devora a própria carne.


Hoje eu sei que nossos sentimentos não se esvairão como as flores que se despedem no inverno.


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA        f-r-p@bol.com.br


 


 


 


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Roberto Gaz

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