Categories: Crônicas de um Francisco

Da sua vida, sua história nem do seu passado

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Roberto Vaz

Apesar da tristeza, Karen conseguiu chegar ao trabalho lá pelas nove e meia daquela segunda feira. Com o rosto ainda marcado por uma tempestade de lágrimas que lhe correu pela manhã, quedou-se silente em sua angústia. A imagem era tão deprimente, o pesar tão evidente que ninguém teve coragem de perguntar os motivos de tal ordem. Era evidente o fato: ela demonstrava total falta de interesse em socializar seu pranto.


O que teria acontecido? Os amigos até imaginaram que seria mais uma das brigas com o esposo das tantas que já tinham ocorrido. Ficou a dúvida no ar, apesar de que Dona Clementina, a servidora da limpeza, tinha lembrado que Conrado, pelo que ela sabia, já tinha abandonado o álcool.


Além do mais, não seria esse o motivo, pois sempre que brigava, Karen gostava de salientar os erros cometidos, quando tinha decidido, aos vinte anos, casar-se com alguém tão despreparado para a vida conjugal.


A depressiva servidora pública saiu um pouco antes do horário. Dez horas chegou a sua casa, fechou a porta de seu quarto e passou a elaborar fortes pensamentos que buscavam refletir sobre sua própria existência nesse mundo.


Sua tristeza era profunda. Sua dor pairava sobre os dilemas do planeta e do tempo. Sua depressão era o resultado de indagações feitas sob nossas miseráveis condições de ser humano.


Naquela manhã, Karen descobriu que somos seres passageiros, efêmeros em nossa substância, limitados em nossas intenções e reduzidos em nossas capacidades de concretizar nossos sonhos. Nascemos, crescemos, morremos e, tal qual o trigo que floresce nos campos, chega o momento em que nos ceifam e nos põe fim ao nosso singelo momento de ser e estar nesse planeta.


Para ela, viver tinha certas doses de injustiça. A permanência, o milagre de termos herdado esse dom gracioso que a simplicidade chama de vida requer a aceitação de que ela vem e vai, na mesma espontaneidade das orientações, na exata medida da chegada e da ida.


Sentada na borda da cama, com os cotovelos apoiados sobre suas coxas, as lágrimas freqüentaram os olhos de Karen mais uma vez. Sentiu-se só! Sozinha! Sem ninguém com quem pudesse compartilhar esse instante tão doloroso e melancólico.


Lembrou-se de sua avó. Perdera-a quando tinha seis anos, mas aquela fisionomia que expressava bondade e carinho nunca saíra de sua cabeça. Guardava na boca ainda o gosto dos doces e dos bombons que ganhava toda vez que aceitava o colo da amável vovó, para lhe coçar a cabeça e cantar-lhe canções de ninar, enquanto lhe arrumava os cabelos.


Pensou em ligar para a mãe e desafogar sua dor com quem sempre lhe assistiu, com quem sempre esteve ao seu lado, sem se importar nos adjetivos que descreveriam os momentos. Achou melhor não! Não queria participar a sua genitora uma situação tão desagradável. Sim! Era melhor não.


Ao abrir o guarda roupa, sua fina sensibilidade lhe causou uma frieza que lhe contagiou o espírito. Aquelas velhas e encardidas lembranças lhe faziam lembrar sua singela, confusa e singular infância.


Não eram apenas vestidos e fotos de sua vida colegial, de seu casamento e do nascimento de seus dois filhos. Eram além, algo mais, eram a maior prova de que seu choro tinha ou estava acobertado das mais certas razões, dos mais acertados motivo.


Karen sabia que aquela data seria um marco na sua vida. Precisava mudar, precisava encarar esse novo tempo. Precisava aceitar essa nova condição biológica. Teria de encontrar maneiras de vencer esse novo desafio. Precisava encontrar forças para lutar. No fundo sabia que o que presenciava de manhã seria progressivamente algo comum.


No fundo de seu lamento, no deserto de seus pensamentos mais pesados, sabia que o mundo não poderia acabar. A vida seguia. Novos ares seriam buscados. Qualquer coisa haveria de ser feita para romper com a tragédia de ter percebido seu primeiro cabelo branco.


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA   f-r-p@bol.com.br


 


 


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