A castanha-do-brasil possui alto valor nutricional, é rico em selênio, proteínas, vitaminas e ácidos graxos insaturados. Mas, apesar de ser um alimento de qualidade, está com sua cadeia produtiva ameaçada pela contaminação de micotoxinas (toxinas produzidas por fungos) com potencial cancerígeno.
Pesquisadores de várias unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –Embrapa, universidades e instituições de pesquisa, articulados no projeto de pesquisa Micocast, sob a liderança da Embrapa Acre, buscam contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias e gerar informações científicas que auxiliem no diagnóstico e controle da contaminação da castanha-do-brasil por essas toxinas.
A informação foi apresentada pela pesquisadora da Embrapa Amazônia Ocidental, Daniela Bittencourt, durante a palestra “Micotoxinas em amêndoas da castanheira-do-brasil”, realizada na programação do 45° Congresso Brasileiro de Fitopatologia, que aconteceu em Manaus, de 19 a 23 de agosto.
A contaminação está relacionada às condições de armazenamento, secagem e exposição das castanhas à umidade relativa da região, facilitando a ocorrência de aflatoxinas (do tipo B1, B2, G1 e G2) em toda a cadeia produtiva da castanha-do-brasil. As aflatoxinas são produzidas principalmente pelos fungos Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus, e são potencialmente cancerígenas para o ser humano.
A pesquisadora expôs um panorama da situação de contaminação das amêndoas de castanha-do-brasil, destacando que é um problema que coloca em risco a saúde pública e também compromete a economia da região amazônica, pois o produto que antes era exportado para o mercado europeu passou a ser recusado, diante de medidas mais restritivas da comunidade européia em relação aos níveis tolerados de aflatoxina, o que desencadeou redução de mais de 90% nas exportações, a partir dessas restrições.
“Os lotes contaminados de castanha que não puderam ser exportados passaram a ser redirecionados ao mercado interno menos restritivo, constituindo-se em um risco para a saúde da população brasileira”, informou. “Isso não quer dizer que comer castanha necessariamente dá câncer”, esclareceu a pesquisadora, informando que dependendo da quantidade e frequência do consumo de castanhas contaminadas com aflatoxinas, combinadas com fatores do organismo de cada individuo, isso pode tornar propício o desenvolvimento de câncer.
Por isso há uma preocupação muito forte na comunidade europeia, que se reflete nas restrições à entrada de produtos com esse problema. Como exemplo, no Brasil o limite máximo tolerado para a presença de aflatoxinas totais para castanha-do-brasil sem casca para consumo direto é de 10 ppb (partes por bilhão) enquanto no mercado europeu esse limite varia de 4 ppb para aflatoxinas totais e fica em 2 ppb para aflatoxinas do tipo B1. Em alguns países, como a França, o limite tolerado é 1 ppb para aflatoxina B1 . “Por que não se tem limites iguais, nos países? Já que é uma questão de saúde pública”, comentou a pesquisadora.
Outro aspecto dessa questão, citado pela pesquisadora da Embrapa, é que pesquisas mostram que a concentração de aflatoxinas reduz quando se adota boas práticas de beneficiamento. Ou seja, se houver investimento tecnológico e organização da cadeia produtiva da castanha-do-brasil para se ter um escoamento mais rápido, diminuindo o tempo de armazenamento e adotando melhorias no beneficiamento, o nível de aflatoxina presente nas amêndoas diminuirá.
A pesquisadora citou que a Bolívia tem investido em processamento para vender essas castanhas com melhor qualidade que o Brasil e com isso deu um salto nas exportações e responde por 70% do mercado mundial de castanha, sendo que grande parte de sua produção é comprada do Brasil, que produz de 45 a 60 mil toneladas por ano e emprega 60 mil famílias. Assim grande parte das castanhas-do-Brasil que deixaram de ser vendidas para o mercado europeu, são vendidas para a Bolívia que as beneficia e exporta, agregando valor ao produto. “Estamos perdendo mercado e divisas”, alerta a pesquisadora.
Nesse contexto, a Embrapa vem dando sua contribuição em pesquisas voltadas para a melhoria da cadeia produtiva e da qualidade da castanha-do-Brasil, que é um fonte importante de alimento e também de atividade de produção florestal não-madeireira, na Amazônia.
Um passo importante foi a caracterização da cadeia produtiva para identificar quais etapas eram mais afetadas por altos níveis de contaminação por aflatoxina, isso foi realizado a partir de estudos no Pará e Acre, com participação das unidades da Embrapa nesses estados, por meio do projeto Safenut, realizado de 2006 a 2008, sob coordenação do Cirad (Centro de Cooperaçao Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento, com sede na França). Essa caracterização continua, com a participação da Embrapa, agora nos estados do Amazonas e Amapá, por meio do projeto em rede Micocast, iniciado em 2009 com término para o final de 2012.
Os esforços desse projeto estão direcionados para inovações tecnológicas para o controle da contaminação da castanha-do-brasil por aflatoxinas. Isso inclui estudos epidemiológicos e estudos sobre a diversidade da população dos fungos, além do desenvolvimento de alternativas tecnológicas para aprimorar a secagem de forma mais rápida e eficiente e ainda o desenvolvimento de métodos rápidos e menos onerosos de detecção de fungos produtores de aflatoxinas e micotoxinas na castanha.
A pesquisadora da Embrapa Amazônia Ocidental, Daniela Bittencourt, e o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Rogério Hanada, pesquisam a diversidade de fungos isolados e identificaram, por meio da biologia molecular, os fungos que mais ocorrem e produzem aflatoxinas nas castanhas. Os resultados parciais mostram diversidade genética elevada desses fungos. De acordo com a pesquisadora Daniela, esses resultados serão importantes para desenvolver uma ferramenta molecular para identificação de fungos do gênero Aspergilus spp. produtores de micotoxinas no fruto.
A pesquisadora explicou que atualmente, a técnica oficial de detecção da aflatoxina e outras micotoxinas é a cromatografia, que detecta a toxina, mas não o fungo, não sendo recomendada no monitoramento da cadeia produtiva. “A identificação precisa destes organismos associada à melhor compreensão dos mecanismos moleculares que desencadeiam a produção de aflatoxinas por Aspergillus spp., possibilitará o desenvolvimento de um método diagnóstico molecular rápido, eficiente e sensível, que não onere demasiadamente o custo final do produto, ao mesmo tempo em que garanta a sua qualidade”, informou a pesquisadora.