Categories: Crônicas de um Francisco

O Padre Que Não Sabia Rezar

Por
Roberto Vaz

Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA            f-r-p@bol.com.br


 


July, depois de dez anos tive coragem de escrever-lhe outra vez sobre esse assunto. Não mentirei para você, sei o quanto a mentira esculpiu nossos destinos e nos deixou longe de um amor que sonhei ser o mais bonito.


Foi por acidente! Estava procurando umas memorias de minha infância, quando encontrei sua carta de despedida. Aquele vetusto papel foi para mim como o sol para o cimento dos muros construídos. Parei por um longo período, olhei para sua letra e me lembrei de tudo que vivemos antes de nossa separação.


Nunca consegui lhe esquecer. Não sei se isso ocorreu com você, mas apesar de ter em meus braços tantos amores, a sua presença era algo que mais evidenciava minhas faltas. Em todos esses anos, posso dizer com convicção: sou um homem vazio, fadado à infelicidade e à ruína de um final feliz em minha triste vida.


Já faz algum tempo que cruzei com o cardeal Alan Marchbarcher. Na verdade, a única coisa que guardei dele foi a informação de que você tinha terminado seus estudos, reconstruído sua vida e tirado minha pessoa de tudo o que tínhamos sonhado.


Irritou-me saber, dele, que você estava em paz e que nunca falou de mim para ninguém. Não esperaria que falasse de coisas que só dizem respeito a nós dois, mas ao menos dissesse que um vento bom tinha soprado seus negros cabelos e embaraçado um pouco a visão que seus pais construíam para você, sem sua vontade.


Sabe July, hoje mais maduro posso lhe garantir que nada machuca mais uma pessoa que o desprezo de quem um dia fez parte de sua vida. Talvez seja por isso que vivo sozinho. As mulheres com quem me relacionei nunca aceitaram perceber que em meus olhos havia outro alguém.


Sinto-me um grande covarde, pois não era apenas na minha retina que você estava. A sua imagem arranhou qualquer tentativa minha de procurar a felicidade verdadeira. Miserável homem que eu sou! Sim, miserável homem que eu sou!


Gostaria muito de vê-la, ouvir sua voz e sair pelas calçadas sujas da neve forte que nos cobria em novembro. Lembra quando você apertava minha roupa, procurando mais um pouco de calor, dizendo que poderia congelar?


Adoraria dizer que aquele agasalho que você me deu, guardo-o, pois nunca mais reuni coragem para usá-lo. É difícil recordar de alguém tendo apenas a moldura vazia na estante. Ontem à tarde, comprei um livro com as canções que você me sussurrava na cama naquelas noites em que conseguia fugir de casa.


Talvez porque a madrugada esteja tão fria, hoje me sinto mais sensível a qualquer lembrança sua. Quando aquele trem partiu, levando-a para longe de mim, eu pretendi morrer. A separação só não foi maior que a dor pelas mentiras que seus pais criaram para que você não ficasse perto de mim.


Tudo bem! Não tocarei mais nesse assunto. Não jogue fora minha carta, pois ainda pretendo dizer que a amo e que, mesmo com a distância em que nos encontramos, você foi e é a mulher da minha vida.


Beijos de quem te ama. Espero que cheguem logo essas poucas palavras que lhe remeto mais uma vez com muito carinho.


Thomas Allurgue


– Quem era vovó?


– Nada de importante! Eu já falei para esses carteiros que aqui não mora nenhuma July Marlov! Toda vez a mesma coisa. Se querem escrever para essa freira, busquem o cemitério da cidade. Os restos mortais dela estão lá. Não tenho a mesma certeza acerca do espirito, pois Deus não perdoa quem comete suicídio.


– Que vai fazer com essa correspondência?


– Meu netinho, vou jogar fora, como tenho feito com todas as cartas desse Thomas Allurgue.


– Por favor, vovó! A caixa é bonita, posso guardar meus pertences nela. Quanto aos papeis, posso fazer uma bola para brincar lá fora com os meus amiguinhos.


– Não pode! É novembro, a calçada está suja de neve. Não há calor na rua! Você pode congelar.


A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente.


Florbela Espanca


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Roberto Vaz

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