Categories: Crônicas de um Francisco

Pequenos soldados norte-americanos

Por
Roberto Vaz

Tudo parecia perdido! As tropas inimigas avançavam a passos constantes e fatais. Tinham melhores munições e, pelo o que a chuva podia deixar ver, maior contingente. Os poucos que me acompanhavam sabiam que não faltava muito para chegarmos ao final: era hora de pensar no rendimento e no que nos esperava como prisioneiros. Meu Deus! Como é vergonhosa a bandeira branca!


Na guerra o improviso é o grande senhor! A surpresa e as mudanças: as melenas de nossas fantasias. Tudo pode mudar a qualquer instante. No calor do duelo, quando os olhos não podem ver os outros olhos, na cerração de uma tempestade que nos congela, temos a sensação de que o inimigo está disposto, escondido em algum lugar esconso e frio.


Antes do combate, cantávamos alegremente a canção que nos ensinava que nas grandes guerras forjam-se os melhores guerreiros. Os avisos seguidos de nossos homens, os apelos e gritos, choros e medo, a infantaria perdida, nos deram a certeza de que havia algo velado nesses versos musicais: nas grandes guerras temos grandes derrotas. A nossa tinha chegado.


Para mim era estranho! Senti com pesar e dor ver meus homens gemendo. O 18º pelotão, o mais bravo e contundente tinha lançado fuga e se reunia aos poucos de nós. Agora éramos a agonia de um combate mortal e cruel. Os ventos fortes e dominadores nos traziam mais dificuldades para mirarmos melhor o ambiente onde medíamos coragem com os nossos oponentes.


Não sabíamos mais o que fazer.  Precisávamos manter nossas posições e defender a parte norte do local. As defesas das colinas do sul já estavam comprometidas, e nós tínhamos convicção de que nada mais poderia ser feito que não esperar a artilharia na selva densa, fechada e perigosa.


Como gostaria de acender um cigarro! Respirar mais compassado e recitar a famosa frase de John Lennon: “Não me esperem ver atrás de barricadas, a menos que elas sejam de flores”. Tarde demais! Não tínhamos tempo para sonhos. O rock não ajudaria nosso exército.


Agora poderíamos entender melhor o que é estar e permanecer num “front” de combate. O que passaram aqueles homens nos sucessivos dias de ódio terror e medo? Como reagiram suas mulheres ao saber que dormiriam sozinhas por mais tempo? E os filhos da guerra, como cruzariam a Route 66, ou os rios barrentos do Vietnã? Não sabemos. Mas não restava dúvida de que era algo parecido com o que sentíamos nesse complicado momento.


Nossos uniformes estavam encharcados! O longo período de combate, o roçar com a terra inundada de lama, os golpes sucessivos dos pingos da chuva mostravam que tanto eles como nós apodreceríamos nessa campanha. A vitória ou a derrota não nos traria melhores condições.


Ainda lembro quando pude tirar, de um dos bolsos de um soldado morto que estava próximo a mim, uma poesia de um escritor que não conhecia, mas que muito me tocou, se é que alguma coisa ali pudesse me espantar mais ainda:


“Na guerra eu não consigo ouvir tua voz eu não consigo ver você eu não consigo ser feliz. Na guerra, os homens dão-se pra matar, quando meu corpo quer dançar, brincar lá fora no quintal.


Na guerra o tempo não se conjuga, não se mostra. Você pedia explicação, motivos, pra deixar a guerra pra depois”.


 


Restava pouco! Somente um milagre nos salvaria dessa hostil situação.


– A mãe tá te chamando! Ela disse que tu vai pegar uma pisa, por tá tomando banho na chuva e brincando nesse barro com esse monte de menino velho. “Eita”! quero só ver! Olha a qualidade desse calção! A mãe vai te dar uma pisa tão boa. Cadê o Marcos?


– Tá ali do outro lado. Ele é nosso inimigo.


– Vão apanhar os dois. Eu acho é pouco.


– Mirna, vai na frente! Diz pra ela que a gente tava ajudando a carregar os tijolos do Seu Carlos.


– Digo nada! Vou falar que vocês estavam brincando de guerrear uns contra os outros, jogando barro molhado e melando as roupas. “Te prepara” bichinho. Vai precisar de mais chuva pra refrescar teu coro. O cinturão tá só cochilando.


– Mirna, você e a pior das inimigas! Soldados! Opositores! Temos aqui um dilema: já que vamos apanhar de nossos pais mesmo, vamos esquecer nossas rivalidades e reunir forças para destruir essa maldosa menina.


Ela aumentará nossos atos, jamais cantará nossas conquistas e determinação. Sim, contará mais do que viu e sentirá alegria com as nossas lágrimas. Na sua maldade, fará isso com o único intuito de nos relacionarmos melhor com a sandália, a corda, o cinturão ou a ripinha escondida atrás do guarda-roupa.


Conclamo, nobres guerreiros!


Peço em alto, rouco e bom som: atacaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.


FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA  f-r-p@bol.com.br


 


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Roberto Vaz

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