Categories: Crônicas de um Francisco

Reis e Rainhas

Por
Roberto Vaz

– Devemos ir.


Nossa, por mim eu ficaria a noite toda. Você foi maravilhosa.


– Você gostou mesmo? Foi bom pra você?


– Amei! E você, gostou também? Confesso que eu estava muito nervoso.


– Acontece com todos nós. Sempre ficamos com alguns receios, certas inseguranças com quem nunca tínhamos tocado antes.


– Vou me vestir. Você poderia pedir a conta.


– É estranho uma mulher pedir a conta.


– Na verdade, pedir a conta e pagar. Foi isso que quis dizer.


– Como assim? Quer que eu pague o motel?


– Sim! Qual o mal nisso? Não temos direitos iguais? Vocês não lutaram tanto para se equipararem aos homens?


– Nossa! Mas pagar a conta é sinal de cavalheirismo, educação, sensibilidade da parte masculina.


– Por favor, o cavalheirismo foi o maior inimigo de vocês. Os padrões machistas se fundamentaram nele. Milhares de anos de opressão, tortura e castigos tinham no cavalheirismo a sua maior expressão. Deixemos de coisa!


– Foi você quem me convidou. Se soubesse que era tão grosso, não teria vindo.


– Ora! Você sabe que Voltairine de Cleyre e Margaret Sanger lutaram por direitos sexuais iguais! Pagar a conta faz parte dessa igualdade, senhora. Eu convidei para a festa, mas não comi o bolo sozinho. Ambas as bocas estão sujas.


– Você não se mostrou assim. Já me envolvi com homens mais gentis. Pare de ser convencido. Não imaginava passar por uma situação tão desagradável. Meu Deus, onde estou?


– A surpresa fez-lhe mudar as sensações? Não foram vocês que disseram que “o pessoal é político”? Meu pai, em sua rude sabedoria, já me dizia: toda mulher é machista. E isso aumenta com um cano quebrado e um pneu furado.


– Buscamos nossos direitos porque vocês nos tiraram. Lutar por algo não quer dizer que ele já não era nosso. A violência, casada com os músculos de vocês, nos sufocaram. Tivemos de ter muita força, resistência, determinação e coragem para reverter isso. Ter direitos iguais não é bem uma conquista. É uma prova de que conseguimos conter a estupidez de vocês.


– Mostre isso em atos. Pague a conta. Por que se indigna com essa demonstração de igualdade sexual? Se a biologia foi insuficiente para provar para vocês nossas diferenças, acenda vela para esse discurso social que nos equipara. Abra sua bolsa e realize a maior demonstração de que suas ondas feministas estavam certas.


NA RECEPÇÃO O TELEFONE TOCA


– Pois não, deseja pedir a conta, senhora! Teve algum consumo?


– Não, agora não! Por favor, traga mais duas camisinhas. Precisamos solucionar uma desigualdade que ocorreu aqui no quarto. Depois eu peço a conta. Terei o maior prazer em pagá-la.


FRANCISCO RODRIGUES    –      f-r-p@bol.com.br


 


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Roberto Vaz

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