Categories: Crônicas de um Francisco

Carta ao governador

Por
Thais Farias

Como vai  Governador!


Escrevi essas poucas linhas no ano de 2012, a convite de um senhor que encontrei pela rua. Eu sei, eu sei, são mil anos de diferença, mas mesmo assim eu gostaria muito que o senhor lesse aminha carta, embora suspeitando bastante que o senhor possa nem saber o que é isso.


Em minha época, quase ninguém a usa mais. Confesso ao senhor que nunca tive a oportunidade de chorar uma despedida depois de abrir uma, ou mandar alguém rasgar as que um dia eu tivesse enviado. Meus relacionamentos começaram e terminaram por meio de e-mails, MSN, facebook ou Orkut. Só por curiosidade, ainda existem essas coisas?


Juro que morro de vontade de saber como é viver no ano de 3012. Fico imaginando mil anos depois… como estará o meio ambiente? E os recursos naturais já se esgotaram? Qual a ordem vigente? Quanto tempo a hegemonia mundial norte-americana durou? Acho que por conta de tantos anos, o homem já deve ter passado de Marte. É o nosso maior sonho no século XXI.


Trazendo para nossa realidade, e o Brasil? Ainda somos uma federação? Conseguimos acabar com a fome? E a corrupção? E os políticos, ainda fazem absurdos para se elegerem? Mentem muito ainda? Nossa!Quantas perguntas queeu gostaria de fazer, mas vou-lhe repassar os conselhos que recebi de um senhor que encontrei pela rua.


Senhor Governador do ano de 3012, hoje não temos mais isso, mas não domine os meios de comunicação de sua época, isso é feio, imoral e indecente. As pessoas podem se sentir sufocadas, entediadas e cansadas de tanta exposição de sua imagem.  Uma fazenda, senhor Governador, não é resumida apenas pelos porcos e pelos chiqueiros. Existem outras coisas além.


Senhor governador, ainda usam o dinheiro em 3012? Se ainda usam, será que o Acre se transformou em um poderoso estado, capaz de justificar um salário altíssimo que o senhor venha a receber? Ah! O senhor teria coragem de se aposentar e ganhar uma pensão vitalícia, depois de passar apenas quatro anos poder, enquanto os demais apodrecem dezenas de anos para mastigar milhos quebrados da Previdência Social? O senhor teria essa coragem? 


Senhor Governador, hoje não temos mais isso, mas não pratique o nepotismo. Eu sei que o amor familiar sempre é muito forte. Toda galinha só cisca para seus pintinhos. Mas abra uma empresa privada, padaria, lojas de R$ 1,99, sapataria ou locadora de veículos, caso o senhor queira empregar seus parentes. É mais ético e moral, sem contar que o senhor não vai precisar ficar mentindo na televisão… existe televisão ainda?É muito caro mantê-las amordaçadas em 3012? Perdoe-me a ignorância, não sei quais os meios de comunicação que o senhor usa. A tecnologia é muito rápida, não consigo imaginar que mundo será esse.


Senhor Governador do ano de 3012, hoje não temos mais isso, mas não seja arrogante, grosso, cínico, prepotente e mal humorado. Aceite a divergência partidária. Não sei se inventaram outro regime político, afinal já se passou tanto tempo. Mas hoje, a democracia se baseia na aceitação e no confronto de idéias. A divergência sadia é a chama que ilumina e aquece a cabana fria da sociedade.


Senhor Governador do ano de 3012, hoje não temos mais isso, mas se o Acre continuar pobre daqui a mil anos, não gaste os recursos públicos em viagens espaciais interplanetárias que não têm nenhum proveito para o estado.  Não acredito que o senhor possa imaginar que o povo do Acre tenha de pagar esses passeios intergalácticos de tanta gente ao seu redor. Além do mais, pense bem, que interesse pode ter os seus ea sua família em planetas vazios e frios?


Senhor Governador, hoje não temos mais isso, mas não aceite que seu partido trate os cidadãos como se fossem guardas de sua casa. Também não imagine que os eleitores nasceram para lustrar seus sapatos ou pentear seus cabelos. O mundo de 3012 não é seu, não pertence a seu domínio exclusivo. Por favor, esforce-se para assimilar e aprender a humildade. Eu sei que é difícil, mas pode haver exceção a essa regra mil anos depois.


Senhor Governador, o homem que eu encontrei pela rua me disse para lhe avisar que caso haja problemas em sua administração, não os esconda, não minta. Não finja ser flores um bando de cipós secos. Hoje não temos mais isso, “mas se por acaso” tiver problemas em 3012, enfrente-os. É mais seguro encará-los do que tapá-los com a peneira da publicidade milionária.Demonstrar os equívocos é muito mais sensato que buscar na “companhia dos selvagens” a cura de todos os males.


Senhor Governador, hoje não temos mais isso, mas se lhe criticarem em algum jornal ou revista, não faça um alarde, não imagine que é o fim do mundo ou um golpe das extremas direitas. Pode ser que seu partido, Governador, vivendo mil anos na lama rasa, tenha feito coisa pior quando era oposição.Ainda existe oposição em 3012, Governador?


Senhor Governador, hoje não temos mais isso, mas não confie em assessores bajuladores. Eles só estão juntos porque querem tirar proveito de vossa senhoria. Utilize a meritocracia para escolhê-los. O senhor pode ter problemas ao usar o parâmetro familiar, o da barganha ou o do “mal necessário”. Na primeira oportunidade, eles podem acabar com seus projetos e sonhos. O senhor tem sonhos, Governador? Além dos pessoais, o senhor tem outros projetos?


Senhor Governador do ano de 3012, o homem que eu encontrei pela rua me pediu para lhe avisar que, caso tenha muitos dilemas, dificuldades e desafios, faça uma pesquisa histórica, consulte a gestão dos super-heróis de minha época. Eles adoram se autopromover, se acham muito habilidosos, puros e determinados. Há pessoas que até pensam que habitam o Jardim do Éden.Nesse paraíso amazônico, temos medo,vivemos preocupados, receosos em aceitar a visita da serpente.


Senhor Governador, espero que possa acolher algum conselho que escrevo. Se não puder ajudar, perdoe-me, mas não tive como imaginar o Acre no ano de 3012. Se tiver alguma serventia essas letras cheias de lágrimas e dor, agradeço e apenas peço que reconheça que essas orientações não são minhas. São do homem que eu encontrei pela rua.


Hoje,felizmente, ainda temos isso: homens que encontramos pelas ruas. Infelizmente, ainda temos isso: lágrimas e dor.


“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência”.


 


 


 


¨Seje¨ homem, rapaz!


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Thais Farias

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