Categories: Crônicas de um Francisco

A Morte das Viúvas

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Roberto Vaz

– Capitão, capitão, o navio está afundando! O mar está revolto e toda a tripulação se lançou nele na ânsia de salvar sua vida. Foram todos tragados pelas fortes ondas que o agitam. Não os vejo mais. Ah! Miserável homem que sou! Sim miserável homem que sou! A chuva é muito forte. Essa hora, já chegaram às plagas abissais.  A procela é constante e se não fizermos o mesmo, seremos sugados pela feroz tempestade.


– Levaram todos os barcos?


– Sim, capitão! Mas resta um que reservei para o senhor e, se de mim tiver piedade, posso ser os remos que o salvarão.


– Então sugere que morramos também? Devemos fazer como eles? Aconselha que reproduzamos o Sati indiano, onde as viúvas tinham que se lançar à fogueira, sacrificando-se por honra a seus maridos mortos?


– Não capitão? Não foi isso que quis dizer. Apenas imploro seus conselhos. O senhor é o capitão. Devo seguir suas orientações.


– Capitão de um barco que se dirige para as profundidades? Deixe de tolice! Sou apenas uma alma a mais nessa debilitada embarcação que ainda tolera duas.  Você não é mais meu comandado. Você é livre. É uma pena que não tem tanto tempo para refletir essa nova situação. Isso sem duvidar se teria condições para fazer isso.


 A subserviência cega que você demonstrou por todos esses anos o afastou dos mais remotos raciocínios. Tolo! Não há qualquer laço que me faça superior a você. Dentre em breve estaremos no reino de Netuno.


– Capitão, há valores que fogem a condição em que estamos. Pela harmonia do conjunto, uns mandam, outros devem obedecer. O senhor nasceu para mandar, eu para ouvir as ordens. Servi-lhe por todo esse tempo. Dediquei minha vida ao bem dessa embarcação. Queriam os deuses que não a tivéssemos mais nas mãos. Rogo, por eles, que me acompanhe. Com um pouco de sorte estaremos um alguma ilha de um horizonte próximo.


– Quem servirá e quem será servido? Até lá imaginarás que sou eu o eterno senhor? Você rasteja em sua ignorância. Rumina uma estupidez típica de um insensato. Sim de um eterno subalterno, um vassalo.


 Mais que isso. Você é a peça adequada para os que amam dominar. Por você, jamais conheceríamos a luz do dia. Jamais avançaríamos com a roda. Pois não vejo em você nenhuma parte de criatividade. Reproduz atos fórmicos e celebra a submissão do tempo.


– Capitão, o navio se vai! Se não permite… Adeus capitão! Se for por esse caminho que quer seguir, devo deixá-lo. Caso me salve, com alguma sorte, encontrarei alguém para mandar em mim. Adeus capitão. Não gosto de novidades! Adeus.


– Onde estamos?


– Capitão, o milagre aconteceu. Consegui resgatá-lo. Os deuses se apiedaram e deram a nós mais fortuna que o merecido. É de hoje que celebro nossa vitória. É de hoje que percebo que temos mais vida. Capitão, o senhor está realmente bem?


– Dê uma volta pela ilha. Você precisa procurar comida. Encontrar lenhas secas para que você possa fabricar fogo. Observe a posição dos astros. Junte pedras e corte madeiras para você fazer uma cabana. Eu preciso pensar como conseguirei sair daqui.


– Sim capitão.


Eu…


 


Eu sou a que no mundo anda perdida. Eu sou a que na vida não tem norte. Sou a irmã do Sonho, e desta sorte. Sou a crucificada… a dolorida…


Sombra de névoa tênue e esvaecida, e que o destino amargo, triste e forte, impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!


Sou aquela que passa e ninguém vê… Sou a que chamam triste sem o ser… Sou a que chora sem saber por quê…


 Sou talvez a visão que alguém sonhou, alguém que veio ao mundo pra me ver, e que nunca na vida me encontrou! (Florbela Espanca)


 


FRANCISCO RODRIGUES  –   f-r-p@bol.com.br


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