Categories: Crônicas de um Francisco

A primeira noite de amor

Por
Roberto Vaz

Atendia pelo nome de Sabrina, mas se chamava Maria José do Rosário. Chegara ao Acre há menos de seis meses. Alugou um apartamento nas proximidades da Rodoviária, fez amigos e conquistou um ponto em frente a uma autopeça na Avenida Chico Mendes, para fazer o que estava disposta: se prostituir.


Era de Minas Gerais, daquelas cidadezinhas que ninguém sabe como surgiram. Às vezes, até ela esquecia o nome do local onde nasceu. Fugindo da violência noturna da Rua dos Guaicurus em Belo Horizonte, Sabrina veio tentar vida nova no Acre.


Cobrava caro para os padrões normais da cidade: trezentos reais. Por essa quantia, a dama era tudo o que o cliente quisesse. Feiticeira da floresta, estudante de colégio interno, torturadora, juíza togada, estagiária, enfermeira, e para os mais avançados, criativos e duvidosos da masculinidade, era até mesmo homem viril e dotado. Por três notas de cem reais, durante o prazo de uma hora, Sabrina dava na cama o que seus clientes tinham na mente, mas não tinham em casa.


O vigia da loja de peças de carro ajudava no negócio. Batizada nessa atividade, sempre dava mostra para o cliente que alguém “tomava de conta” de seus pertences. Seu Honório ficava com o celular da prostituta, alguns outros artefatos e um alto pedido “volto daqui a pouco, me espera”.


Agia assim como forma de se proteger de possíveis malucos da noite, insanos que lhe pudessem fazer algum mal. Nesse vai e vem lascivo, Sabrina criou uma amizade verdadeira com seu Honório. A cada final de jornada de trabalho, dava um beijo no rosto do vigilante e dizia ser muito grata por tudo. Tinha-o como um pai. Um elemento familiar que nunca conheceu.


A beleza, os cuidados com o corpo e um perfeito mecanismo teatral de amorosidade, fazia com que a mineira ganhasse cada vez mais clientes. Jovens curiosos, casais entediados com a rotina do arroz sem sal, mulheres solitárias, homens sem paciência para jogar o complexo jogo da sedução e senhores com certa idade que procuravam sexo sem pressão e exigências, todos buscavam nos braços de Sabrina momentos de carinhos sinceros trazidos pelo dinheiro.


Um desses últimos, pai de cinco filhos, trinta anos de casamento, homem de família, que já tinha até sido filmado em um jantar pelo “Geração Gazeta”, habituou-se a frequentar o corpo dela. Com uma gorda aposentadoria, o dinheiro para ele só tinha importância porque era a chave que abria o sorriso da moça.


Várias vezes, perguntou a ela se não aceitaria viver a suas custas. Teria casa, luxo, carro e tudo o que fosse preciso para largar a prostituição e sentir apenas os seus mais sinceros afagos.


Apesar de não ser boa de matemática, Sabrina fez muitas vezes os cálculos e percebeu que não era um bom negócio o convite do aposentado. Por mês poderia até tirar menos que o proposto, mas tinha uma coisa que perderia com o cativeiro ofertado: sua liberdade.


Certa noite, o movimento estava um marasmo só. Era fevereiro, chovia forte, a esperança de capturar os foliões desesperados por sexo fácil estava acabando. Raios, relâmpagos e trovões sugeriam que aquela madrugada seria fraca. Para se proteger do temporal, Sabrina aceitou o convite de seu Honório para se proteger dentro de sua singela guarita.


O vigia era feio. Muito feio. Tornava-se mais ainda quando ria. Uma prótese superior mal feita dava maior publicidade a um grupo de dentes sujos e tortos em sua boca. Sempre cuspia quando falava. Seu hálito, devido à longa história de tabagismo, era uma colheita apodrecida de “nicotiana”. Um acidente na infância, com uma consequente e horrorosa cicatrização, fez com que pedaço de carne da testa arriasse sobre um de seus olhos. Ao falar, institivamente, alinhava o olho bom ao ouvinte, virando a cabeça de lado, na tentativa de esconder a deformação facial que possuía.


Não adiantava! Se soubesse que tal truque salientava ainda mais seu nariz torto e grande, seria mais natural e aceitaria a aparência que fazia questão de negar. Não possuía maiores vaidades. Não por ser de origem humilde, mas por perceber que não tinha ganhado um corpo mais próximo do normal, capaz de atrair alguém.


Percebendo que a chuva não iria passar tão cedo, o vigilante inicia um diálogo há tempos planejado:


– Você não teve clientes hoje… eu poderia ajudar você. O que acha?


– Ai seu Honório! Sou uma profissional. Não confundo amizade com trabalho. Por mais que adore o senhor, não posso misturar as coisas.


– Mas eu tenho trezentos reais! Passei dois meses juntando. Veja! Aqui está! Não quero nada pela nossa amizade. Terás o que recebe de qualquer um.


Vendo aquela figura fisicamente desprezível a seu lado, imagem de quem não tem muita atração, Sabrina dobrou o debate para outras argumentações que pudessem livrá-la de ser tão repugnante.


 – Seu Honório, eu não conseguiria. Tenho o senhor como um pai. Gostaria de manter essa pura irmandade com o senhor. Eu não me sentiria bem. Por favor, entenda. Posso arrumar uma amiga para o senhor.


Sem jeito, com raiva e extremamente excitado, o vigia se conteve para não fazer maldade com a moça. Não teve tempo para desenvolver uma melhor resposta. Logo em seguida para um carro com três jovens, desejando coisas novas e inusitadas naquela noite. Atenta aos clientes, Sabrina correu para atendê-los.


Nem teve tempo de dizer o preço alto que iria cobrar. Uma bala seca alojou-se no seu pescoço, vinda de um revólver de uma camionete que parava perto dela. O aposentado, que tinha vindo buscá-la para mais uma noite de amor, sentiu se humilhado e inferior na frente daqueles rapazes de pouca idade.


Os dois carros saíram apressados! Os rapazes com pesar no coração e sem saber bem o que tinha acontecido foram para suas casas pedir perdão a Deus pelas drogas consumidas no carnaval. O aposentado, satisfeito e imaginando ter todas as razões do mundo, abriu a porta do quarto, deu um beijo na querida esposa e dormiu como nunca tinha feito.


Na calçada da Chico Mendes, após agonizar por alguns minutos, Sabrina se despediu do mundo. Nesse breve momento de vida, lembrou que sua mãe viria visitá-la na próxima semana, estava muito orgulhosa do novo trabalho da filha: secretária em um escritório de contabilidade. Manchando a chuva de sangue, Maria José do Rosário se lembrou do filho que poucas vezes tinha visto em São Paulo, e acreditou esperançosa que seria socorrida em breve.


Em meio a tantas confusões mentais, alucinações e recordações de uma infância difícil, ainda teve tempo de imaginar que os braços de seu Honório era os de algum profissional de saúde que lhe socorria.


Morreu sem saber que serviria, dentro da guarita, para saciar a vontade do homem que ela tinha como pai.


Era a primeira vez que o vigia conhecia uma mulher. Uma perdeu a vida, o outro a virgindade.


FRANCISCO RODRIGUES  –    f-r-p@bol.com.br


 


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Roberto Vaz

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