Acredito que dentro de um avião, fora da milenar relação que temos com o solo, nos tornamos mais singelos, companheiros e agradáveis uns com os outros.
Já percebi isso nas viagens que fiz. O medo de algo inusitado a onze mil metros de altura, os pousos e as decolagens nos fazem lembrar que no fundo não somos lá muita coisa. Um pedacinho de carne que se move. Um sopro dentre as sete bilhões de almas que relutam em deixar esse mundo. No fundo, salvo efeito patológico, ou particularidades indecifráveis, ninguém quer morrer.
Voltávamos de merecidas férias em Porto Seguro. Levantávamos vôo de Belo Horizonte rumo a Brasília e consequentemente a Rio Branco. Atrás de nós uma moça delicada e simpática buscava um pouco de conversa conosco.
Nada mais natural que sua pergunta fosse de onde éramos. O que me trouxe certo espanto foi sua admiração em saber que residíamos no Acre. Credo! Qual não foi meu espanto em vê-la com um olhar descrente, num tempero de felicidade e susto, sugerindo uma descoberta parecida com aquela de Einstein, {e=mc²}.
Não havia maldade nela, sarcasmo ou menosprezo. Era tudo muito normal, pois eu também tinha meu repertório para brindá-la com boas piadas da terra do “uai”. Entre anedotas e casos engraçados, riamos alegremente na mais perfeita cumplicidade!
O que fazíamos não era nada parecido com os comentários sem sal de alguns sítios da internet a respeito de nosso estado. Sempre criados por pessoas estranhas, ignorantes e que tenho sérias dúvidas se possuem neurônios suficientes para contar de um a dez sem usar os dedos.
Demonstrava inocência! Era uma jovem que ainda mastigava o Ensino Médio e, antes de qualquer contrapartida patriótica, lembrei para mim que em Minas Gerais também há escolas ruins. Mesmo particulares, de onde dizia estudar.
Ganhando um pouco mais de liberdade e percebendo que de nós não tinha tirado a paciência, a moça atreveu-se a brincar um pouco mais. Tudo com respeito, alegria e cumplicidade. Brincadeiras bem sadias.
– Mãe, o Acre existe! Eu conheci gente do Acre! Nossa! Do Acre, mãe!
Sem me sentir da galáxia UDFy-38135539, a mais distante já descoberta, recordei-me de uma época em Brasília, Taguatinga Norte, restaurante Sabor Mineiro, onde amigos de trabalhos rodavam o tempo a brincar comigo perguntando se o Acre existia.
Amigos, não se enganem! O Acre existe. É uma terra com uma densidade política muito grande. Do José que corta o peixe no mercado ao doutor em patas traseiras de grilos azuis amazônicos, todos falam nela e dela. É um alimento diário ofertado por jornais que nos trazem notícias da Corte, dos bobos e dos seus eventos. Pelo tamanho de nossa população, o Acre é sério candidato ao local do mundo com mais telejornais diários.
Dizem os antigos que, quando a FUNAI fez em 2011, pelas bandas de Feijó, a marcante descoberta de uma das últimas tribos indígenas não contactadas pela civilização ocidental, esses esquecidos aborígenes estavam em feroz discussão a respeito da produção de mais um jornal impresso com tiragem mínima de oito cópias diárias.
É tão intenso o ritmo cardíaco por política, que pesquisas da NASA indicaram que o Acre é o estado brasileiro onde menos ocorre suicídio. Não por ser um estado feliz e desenvolvido, ou o MELHOR LUGAR DA AMAZÔNIA PARA SE VIVER, mas sim por que poucos querem perder a chance de saber quem vencerá as próximas eleições.
Não há prazer maior para esse povo que debochar dos vencidos e da fisionomia que demonstram, parecidos com alguém que dá bom dia, após uma forte topada no dedo mindinho.
Sim, o Acre existe! É um estado carente que, numa tentativa desesperada de diminuir seus altos níveis de pobreza, paga PENSÃO PARA EX-GOVERNADORES NO VALOR DE MAIS OU MENOS 27 MIL REAIS. Muitos deles retirados de uma miséria tão profunda que tiveram de se recuperar em Brasília de sua desumana inanição. Dados do Ministério da Educação Cultura apontam que este a quem me refiro voltou à escola e já está até aprendendo a contar: “vinte mil mais sete mil é igual a vinte sete mil…” muito bem aluno, realmente, Brasília tem as melhores escolas.
Outro, para mostrar os tempos difíceis porque passou antes, dá provas de que somente o salário de senador e esse da PENSÃO PARA EX-GOVERNADORES são capazes de lhe saciar a carne e lhe fazer esquecer os soçobros de outrora. Tamanha foi a alegria pela mudança social sofrida que, segundo informações tirada da revista italiana Cosmopolitan, estava na “Velha Bota”, estes dias, para uma profunda penitência aos moldes praticados pelos monges da ordem de Cartuxa. Foi retratado numa humilde casa a convite de um tal “Pedro Pernalonga”, um feiticeiro que transforma lixo em dinheiro.
É sempre bom frisar que, nesse esquecido estado, pensão com um intuito tão nobre, só poderia ter sido ressuscitada pelo Partido dos Trabalhadores. Claro, é o partido dos que trabalham. Sabem dar valor a um ato tão digno. Quem poderia entender mais de aposentadoria que eles?
A mesma revista relatou que mais de sessenta pessoas, emocionadas com a atitude do senador, encontram-se na Itália, buscando o intercâmbio florestal, a fim de conseguirem venderem palitinhos de madeira para os picolés italianos, muito apreciados em um país tão quente.
De quebra, almejam encontrar o melhor óleo para os produtos produzidos no Acre. É que o de peroba não consegue mais lustrar a face de alguns personagens políticos, deixando-os sem aquela cara insossa, típica dos entrevistados do Amauri Junior, ou daqueles que posam para o fotógrafo em pleno dia de velório.
Repito mais uma vez, mocinha de Minas Gerais, o Acre existe. Pode parecer estranho, mas os planos de contenção de gastos nesse estado, com existência duvidosa, são muito fortes.
As exceções são setores como publicidade. Médicos do Hospital Israelita Albert Einstein diagnosticaram a existência de ONIOMANIA nesta área. Segundo o último boletim, não é fácil empurrar parafusos enferrujados em nossas bocas, como se fossem uvas argentinas.
Sem ser chato: o Acre existe sim! Tem um povo simples que deita no sofá depois que a visita vai embora. Que usa uma das mãos, auxiliando a colher a organizar e juntar o fim do almoço que come. Que pendura casca de laranja na “pernamanca” do teto, para o chá que irá curar a dor no estômago. Que dá uso diverso à panela em dias de chuva. Que capta as ondas de televisão com a palha de aço. Que separa fielmente a roupa de sair e a de ficar em casa e que só permite o uso de certas louças para os momentos mais especiais.
O Acre existe! Não tenham dúvidas. É um pedaço do Brasil que reúne tudo o que há de bom e de ruim. Um estado novo. O último do oeste brasileiro. Cheio de particularidades e similitudes com o resto do país. Se lá fora alguns não nos conhecem bem, não os reprovemos, tampouco fiquemos com bairrismos bobos. Esse discurso patriótico fez bem a alguns, criou novos milionários, e ressuscitou múmias aqui no estado.
No Acre mesmo, a notar pelo que acontece, muitos administradores também não sabem da existência do estado. Fazendo pontes para cruzar terras firmes, despachos para quem não sobe em suas canoas, governam e dão a nós o pouco de todos os brasileiros. Na hora de olharem para seus cocares, suas tribos e seus espíritos, particularizam o luxo e vivem como suíços, pecando pela ignorância proposital, oportunista e cínica.