Era um ano de eleições. Rubens Branquinho, Osmir Lima, Edmundo Pinto e Jorge Vianna eram os principais candidatos a governador do Acre. O PT e sua “frente”, montada com partidos “pixocotinhos”, faziam uma campanha mais corpo a corpo, sol no rosto, sorrisos recheados com sentimentalismo, emoção e duvidável candura.
Vendiam camisas, rosas e outras quinquilharias, a fim de captar recursos para a divulgação de seu projeto. As manifestações eram próximas às procissões medievais. Uma espécie de “Sétimo Selo de Ingmar Bergman” em que o lamento era resultante de tudo que não fosse ou pensasse como eles. Havia um passado a se enterrar e um presente a se construir. Diziam.
Sem trejeitos ou sestros, mas com aquele modo de naturalista alemão do século XIX, Jorge Vianna buscava passar uma imagem de mudanças, de compromisso com a coisa pública e moralidade administrativa a todo custo.
Todos, a sua volta, lhe ouviam. Inegável que sua figura tinha uma presença egoísta. Bonito, de boa expressão, roubava a cena e contagiava. Dava o arrimo justo a um Acre comprovadamente desorganizado. Sua confiança em si era algo metafísico. Quando falava parecia mais convicto do que o doido que se perdeu no quarto.
Na quinta feira da paixão, hoje senador, Jorge Vianna fora o entrevistado em um programa local. Assisti a todo o evento. Entediei-me com as perguntas do tipo: que gosto tem o mel, que cheiro tem a rosa e de que lado nasce o sol. Gostaria de ter ouvido mais. Mas!
Afora a entrevista e do que para muitos fora o encontro do nada com coisa nenhuma, fiquei pensando sobre o modo de expressão que Jorge Vianna talvez tenha instalado. Dou-lhe o mérito criador, porque acredito que não tenha copiado isso da linguagem das esquerdas do país, uma vez que nessa rota, nunca tinha andado antes.
Esse modo inventado por ele, não havia. Posso garantir isso. Adorava discursos dos candidatos. Não perdia um horário político. Aquele circo de mentiras era para mim uma hora sagrada. Ouvia-os atentamente, por pura maluquice minha ficava em casa arremedando-os para a minha mãe e meus irmãos. E, para não monopolizar a loucura, no meu bairro, o Preventório, todos cantávamos os jingles: “ele sim tá no gosto do povão, nosso irmão”, “o que tem que ser será”, “pra governador… Mário Maia senador”, a chave de um bom governo em dois termos se resume…,” e por aí ia.
Jorge Vianna inaugurou esse jeito de falar quando apareceu pela primeira vez candidato. Menino, eu o ouvi se pronunciar em frente ao Palácio Rio Branco para uns poucos que não se incomodavam com o sol da manhã.
É difícil de definir as nuanças de sua linguagem, vasculha os limites da emotividade. A primeira vista logo se constata que seu jogo facial é melodramático, aparenta cena de arrependimento de ator mexicano, não fosse o cabelo disforme, às vezes desarrumado, teria uma postura similar ao de um cantor da “era de ouro do rádio”.
O senador, em um processo de prévia convicção, fala, antes de qualquer coisa, pra si. Parece o general ferido que discursa para um exército pequeno, querendo também se convencer de que a batalha é possível.
Vencida essa etapa, desenvolve com uma perfeição tremenda seus argumentos diante das câmeras. Alternando ângulos de sua cabeça, piscando os olhos fortemente, tenta levar-nos a ideia de que o que lhe contraria beira as raias do que há de mais tonto no universo. Franzindo o rosto quando fala de seus opositores e aumentando a voz quando se lisonjeia ou se vangloria de suas conquistas em um falso “nós”, renitente com sua frase preferida, “se Deus quiser”, Vianna passa uma imagem de coroinha, em momento de louvor.
Os que lhe seguem adotam essa forma de falar melada. Nas eleições passadas, isso ficou extremamente evidente. Seu irmão fala assim, os candidatos da “frente”, também. Não há como não se lembrar das conversas das crianças da novela Carrossel com um fundo musical de um sinistro piano.
Chega a ser traumático, pois aqueles que os ouvem ficam na espera do rompimento da linha tênue que separa a emoção do choro fungado. Todos com aquela cara de menino que fez a boa ação, ou do que acaba de achar o doce escondido na geladeira. Os discursos de muitos “viannistas” também me relembram os sonhos dos filmes de Charles Chaplin retratando o paraíso.
Se isso não bastasse, também desenvolvem um “vitimismo” arrogante e sem graça. Quase nunca aceitam estarem equivocados. Nas remotas possibilidades de deitarem-se em parte da culpa, desprezam quem apontou os erros, resgatam o terrível passado que pedem que esqueçamos, mostram o que acreditam ter sido uma revolução social e terminam as palavras sem perder aquele sorriso de quem pegou o ônibus errado.
É o jeito dele ou deles. Respeitemos. É a forma que encontraram para expressarem-se politicamente. Particularmente não gosto. Acho desgastada demais, enjoativa e enfadonha. As eleições se aproximam. Gostaria de me livrar desse “trem do nhein nhein nhein”. Que bom seria pormos fim a esses discursos baseado em eixos emotivos, bondades e maldades, mocinho e bandido, reis e súditos.
Se olharmos a trajetória de sucesso político que Jorge Vianna teve, desconsiderando aqui “as demais coisas”, teremos de concordar que essa “melosidade” deu certo, confirma bem sua imagem aqui no Acre. Se, tínhamos alguma dúvida ainda diante daquela secular pergunta, não temos mais: Tostines vende mais por que é fresquinho.
Francisco Rodrigues – [email protected]