Ray Melo,
da redação de ac24horas
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O menino de 13 anos, olhar triste e mãos calejadas da dura lida do roçado, nunca ouviu falar em computador, internet, videogame e jamais entrou em uma escola, nem sabe como é uma biblioteca. Morador de uma comunidade extrativista do Rio Liberdade localizada na zona rural de Cruzeiro do Sul, Raimundo Rodrigues vive em condições precárias. A localidade não possui energia elétrica nem escola pública e ali quase todos sequer desconfiam que educação é direito inalienável, obrigação do Estado.
O jovem, que por ser menor não deveria exercer atividades que a lei considera degradantes, nutre a utopia de um dia freqüentar uma sala de aula.
Com os ganhos de seu pai, Francisco Rodrigues, 53, que também é analfabeto, o menino, que utiliza espigas de milho e pedaços de madeira como brinquedos, crê um dia ajudar no sustento da família. “Meu pai conta que, quando eu nasci, tinha a esperança de ter dinheiro para pagar o transporte para me levar a escola que fica a três horas de barco do seringal Novo Acre, mas o tempo passou e ele nunca pôde pagar a gasolina do motor para eu fazer essa viagem”, diz Raimundo Rodrigues. Assim como Raimundo Rodrigues, a maioria das crianças de sua idade está privada de acesso a uma escola estadual nas comunidades do Rio Liberdade.
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Omissão e descaso – A renda destas famílias, em alguns casos, não passa de meio salário mínimo por pessoa. Para eles, estudos são uma realidade distante, embora o Governo do Acre procure ostentar que a educação estadual é um das melhores da Região Norte. Ali, mais de 50% das crianças filhas de ribeirinhos não teria acesso ao ensino público. O governo estadual, apesar disso, aponta avanços nos investimentos no setor. A realidade, no entanto, revela que a demanda está muito distante de ser suprida e os indicadores sociais da infância nas últimas duas décadas não evoluíram da forma esperada – um contraponto grave aos investimentos volumosos destinados à rede pública de educação.
Vida severina
O caso do jovem Raimundo Rodrigues é emblemático. Na mesma família, outra criança de 10 anos também corre o risco de manter as estatísticas do analfabetismo do Estado.
Se Francisco Rodrigues, o pai, destaca que não é por vontade própria que seus filhos não freqüentam a escola, mas pela falta de recursos para sustentar sua família e custear a educação das crianças.
“Nós não temos nenhuma ajuda do governo. Para levar meus filhos à escola mais próxima são necessários quatro litros de gasolina todos os dias, mas com o preço de R$ 4,00 por litro eu não teria como comprar todos os dias. Queria muito ver meus filhos estudando e, com um futuro garantido, mas sem ajuda não creio que isso possa acontecer”.
Falta até para comer
Na comunidade Passo da Pátria, Rosa Maria, 22 anos, analfabeta funcional (lê mas tem dificuldade para interpretar), é mãe de uma menina de sete anos, que também não tem perspectivas de freqüentar uma escola.
“Falta até comida pra menina, imagina dinheiro para comprar caderno”, diz. Questionada sobre os custos da educação a agricultora disse que não saberia explicar, já que seus pais não lhe deram possibilidade para estudar. “Nunca estudei porque meus pais não deixavam e não tinha escola onde eu morava”.
Escola vira chiqueiro
Na pequena casa de madeira, alguns cartazes utilizados em escolas para alfabetização de crianças enfeitam as paredes. Perguntada sobre a origem do material didático, Rosa Maria disse que teria sido doado por um barqueiro que faz transporte de alunos. Na localidade onde reside a agricultora, a antiga escola foi fechada por falta de professor e é utilizada como depósito. Na parte de baixo funciona um chiqueiro para porcos.
O ESTADO RECEBE RECURSOS POR ALUNO MATRICULADO
Mesmo com um valor mínimo por aluno matriculado na rede estadual girando em torno de R$ 1.722,05,os investimentos em construção de escolas não acontecem nas comunidades ribeirinhas, onde a educação é de responsabilidade da secretária de educação estadual. De casebres doados pelos pequenos agricultores são feitas as escolas. Neste ambiente impróprio, os trabalhadores rurais assume o papel que o Estado nega às crianças para não verem seus filhos envelhecerem analfabetos.
O Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) teve uma receita estimada em R$ 94,48 bilhões no ano de 2011, o que representa um aumento de 13,7% em relação a 2010 – quando contava com R$ 83,09 bilhões. O Fundeb garantiu em 2011 o gasto mínimo por estudante de R$ 1.722,05. Há dois anos, era de R$ 1.414,85.
Esse valor é multiplicado por um número chamado “fator de ponderação”, que varia conforme a etapa e a modalidade do ensino.