“Seu Madureira” é um senhor simples, de olhar angular e sempre ofertando reflexão abaixo dos olhos de quem o ouve. Apresentava-se limpo e alinhado. Trajava uma blusa da eleição passada, um velho boné divulgando uma loja da cidade e sandálias com correias remendadas, feridas por dois pequenos pregos que as seguravam nas palmilhas.
Natural de Sena Madureira, tinha chegado a Rio Branco antes do “asfalto sair”. Era o quarto da fila, num desses “caixas”, à minha frente, com quem se convenceu ser bom falar, enquanto não chegava sua vez. Demorávamos!
Uma moça, carregando seus vinte e algumas rugas, maldizia a máquina por recusar a ler seu cartão eletrônico, impaciente, sem relevar nem se importar com a impaciência dos que na fila também esperavam.
– “Ouvi falar que o governador num quis os sacolão do Petecão né? Se for verdade, onde já se viu isso? Fizeram a maior propaganda pra gente doar no carnaval, e agora vem dizer que não tem como receber esses alimentos. Olha se for verdade… num sei não oh”, é um absurdo. Se deixassem as brigas políticas de lado e quisessem mesmo ajudar, aceitariam e deixariam guardar até nas garagens das casas deles.
Ouvi-lhe atentamente, apesar de também assistir às indignações da senhora que buscava formas diferentes para inserir seu cartão, almejando, de todo meu coração, pelos mais nobres santos, que a próxima tentativa fosse também a última, deixando a fila seguir.
– O senhor acha que se o Governador tivesse mesmo feito essa recusa, isso se deveria a questões partidárias? Perguntei-lhe, avançando minha perna direita, escorando uma das mãos na parece de vidro, em busca de uma posição mais cômoda na fila.
– Como não? Todo mundo sabe disso. Mas o Petecão também não é besta… deve tá tirando o dele e ganhou até mais do que queria com esse erro do Governador. Saiu bem na foto… tinha isca pra mandi e pescou tambaqui. Na política eles fazem qualquer coisa. Hoje jantam juntos… amanhã se afogam. Hoje são aliados… amanhã nunca se conheceram. Política aqui é tão encrencada porque é meio de vida, meu filho. Não querem fazer outra coisa… e não precisa de muita experiência não… só basta ter um pouco de sorte, dinheiro e saber mentir bem. Já vi de tudo…. no fundo, trocando um pelo outro, não quero volta. Agora, que nesse episódio faltou inteligência… faltou.
– O senhor não mostra convicção no possível episódio.
Disse-lhe tentando explorá-lo mais, conhecer mais suas ideias.
– É porque meu saber é pouco… não tive e não tenho tempo de estudar melhor as coisas que acontecem aqui. Na “TV 2” uma coisa dessa não sai. Lá é tudo bonitinho, tudo arrumadinho e todo mundo aqui é feliz. Os outros canais são mais desconfiados que piau em igarapé estreito. Também não se encontram grandes críticas ao governo… parecem todos muito parecidos. No Acre tá assim… você é novo, pode não saber disso, mas a imprensa já teve mais liberdade.
Dizendo esses pontuais ditados, Seu Madureira balançou a cabeça e esboçou um leve sorriso um tanto quanto irônico. Seria maior, buscaria o meu também, mas logo fora interrompido pela demora do cartão da moça que não era lido à sua frente.
Num suspiro forte, tateando compassadamente a barba rala abaixo do queixo, deve ter pensado: “e eu achando que só nos, os idosos, tínhamos problemas com essa maquininha…”.
Percebi que a invocação de tempo dada por ele queria me fazer entender que não tinha o direito de contestá-lo, devido a minha menor idade. Deveria portar-me na condição de aluno e por mais que visse em mim aparência de alguém “letrado”, sabia que a frequência do que viu era maior do que a audiência do que li.
Não reúno também condições de opinar sobre o “evento dos sacolões”, estou à parte do que tenha acontecido. A confessar que isso nem me interessou tanto no momento. Fiquei, na verdade, foi muito pensativo sobre a imprensa do Acre. Tudo bem, eu sei, não era o lugar mais apropriado para esse tipo de conjecturas. Prova foi que logo levei um suave toque nos ombros, afirmando ter chegado minha vez.
Mas não pude desperdiçar a cena.
Lembrei-me, como um filme, a frase da nossa presidenta que, em um certo discurso que não preciso exatamente quando nem onde, preferia: “o barulho às vezes dolorido da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”.
Dilma Rousseff sabia bem o que dizia. Fora guerrilheira, marginal da sociedade militarizada depois do Golpe de 64, bem mais que proferir, soube sentir o peso de cada letra da palavra censura.
Não quero entrar no mérito dos propósitos por quais lutou, tampouco raciocinar sobre o grau de viabilidade do que perseguia, e do modo como o fez. Convido a outra análise.
O PT e outros partidos vestidos da terminologia “esquerda”- tirando os que chegaram depois por confluência ideológica ou proveitos políticos particulares: típicos fantasmas que perderam o cemitério – abrigam um grupo considerável de pessoas que viveram essa época de mordaça, silêncio e restrição de direitos fundamentais.
Mesmo após a reabertura política na década de 80, não foram poucos os que continuaram nas sombras do Estado brasileiro. Eram vistos como revolucionários, transgressores da ordem, agitadores, baderneiros e violentos, acima de tudo.
Muitos que comungam nas fileiras petistas, por exemplo, foram os “eleitos” para prestigiar a ressaca do fim do Regime Militar, tornando-se os expoentes de uma política nova, andante a passo de valsa vianense, de uma via que negava as preposições politicas dos que mantinham o poder no Brasil.
Chegaram ao poder! À duras penas, chegaram! Desconfigurados, mas chegaram. Perdidos na essência e na mistura, um dia imaginada estequiométrica, mas chegaram. Hoje, artíficies, mastigam o que disseram para que salivado possa ser jogado bem longe.
No Acre, a boa imprensa é insular, carta do soldado que morreu na guerra. Caminha nos espaços alternativos e respira forte graças aos avanços da informação que abriu o mundo dando-lhe feições de uma grande rede. A TV te vê como um ser fechado, um labirinto de qualquer dúvida, a tatear as pegadas do grande Minotauro Público, apodrecido pelas moscas midiáticas que não se desprendem da carcaça. Parecem diários oficiais, avisando em vez de comunicar, como se roubassem de Têmis a venda que lhe simboliza.
Poucas vezes assisti a uma crítica justa, sensata e sem demagogia política nos canais que temos. Não sei se por não haver sujeitos ou espaços para isso. O certo é que as esquerdas que plasmaram no poder, numa constatação mais temporal, utilizam expedientes similares aos que antes as sufocavam.
Entre o dilema das vestimentas hippies e as contas bancárias inundadas, entre os gritos de protestos e a obediência às leis, entre as camisas sujas do Che Guevara e os ternos de Stuart Hughes, muitos da turma que um dia se arrastou pelo Brasil, vendendo risos, esperança e humildade em tom avermelhado, hoje envergam algo mais grave e nocivo: a liberdade formatada, enquadrada e remediada é tão ruim como a censura. Como um convite para a rebeldia sem extrapolar os muros da casa.
Sinto-me sufocado. Acriano que sou, preso, refém do que não quero ver. Viva a imprensa livre que em seus defeitos localizados não destroem a construções de pensamentos livres. A democracia é poder informar e se informar também. Chega de mentiras, sem importar de qual lado elas vêm. São mentiras. Destruída a cidade, ninguém pergunta de que direção veio o vento. Vamos “re” ou construir uma nova imprensa. Acabemos com a TV do Governo e lutemos por uma TV eminentemente Pública que mostre a pluralidade social, as diferenças e o contraditório das ideias. Esta é a causa porque haveremos de lutar.
As esquerdas sentiram o gosto bom do poder extrapolado. Muitos são verdadeiros tarados por poder e verdade. Não pode surgir pior carrasco que a mais maltratada vítima. Quem sabe por ainda guardarem no corpo as marcas históricas dos açoites, saibam tão bem movimentar o chicote. Entre peixes endêmicos da região, mandi, tambaqui e piau. Algo navega com muito mais força no Rio Acre. São senhores. São tubarões.
FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA <f-r-p@bol.com.br>
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