Artigo de Pedro Gustavo Faria Nunes
Meu vizinho comprou um galo. Desde então tenho me esforçado para adaptar meu fuso biológico ao do penado que insiste em iniciar sua cantiga matinal às duas da madrugada. No entanto a guerra dos fusos vai muito além das divisas do meu quintal. Entre o meu meridiano e o meridiano do galo está alocado, em algum ponto imaginário, o fuso horário do Acre.
O atual sistema internacional de fusos horários foi sugerido pelo então senador canadense Stanford Fleming no ano de 1878. Seis anos mais tarde a teoria de Fleming foi efetivamente aceita durante a Conferência Internacional do Primeiro Meridiano em Washington (EUA), cuja proposta era padronizar a utilização mundial da hora legal. O Brasil só aderiria ao sistema de hora oficial e de fusos horários em 1914.
Geograficamente o Estado do Acre e parte do sudoeste do Amazonas estão localizados a 75 graus de Greenwich enquanto Brasília está a 45 graus do mesmo meridiano, o que dá teoricamente uma diferença de duas horas entre essa porção de terra da região norte e a capital federal.
Em 2008 o então Senador da República Tião Viana conseguiu aprovação no congresso nacional de um projeto de lei de sua autoria no qual diminuía a diferença do Estado do Acre e parte do Amazonas em relação a Brasília para apenas uma hora. O projeto consolidado pela lei 11.662/08 dividiu opiniões e a oposição correu em busca de reverter tal decisão até que, em 2010, um referendo proposto pelo Deputado Federal Flaviano Melo foi realizado concomitantemente ao 2° turno da eleição presidencial daquele ano. Uma consulta popular onde os que fossem a favor da mudança deveriam votar 55 enquanto os que fossem contra deveriam optar pelo 77. 56,77% dos eleitores acreanos escolheram o 77, mas continuam aguardando sem perspectivas o retorno do horário tradicional, ainda sem data para ser restabelecido. A partir daí uma série de encontros e desencontros retardam a decisão popular. Falou-se em inconstitucionalidade do referendo. Falou-se em inconstitucionalidade da lei 11.662/08 que alterou o fuso horário previamente ao referendo que por sua vez não consultou a população do Amazonas, diretamente afetada com a mudança. Depois veio o veto presidencial que reencaminhou de volta ao congresso o projeto de lei que previa o retorno do horário original onde desde então tramita em caráter de urgência. Finalmente, veicula na imprensa que o Senador da República Aníbal Diniz apresentará ao congresso um novo projeto onde será proposto que seja realizada uma nova consulta popular, agora além do Acre também serão consultados os habitantes dos estados do Amazonas e Pará.
A verdade é que a guerra do fuso horário se tornou uma briga de vaidades entre o azul e o vermelho. Quem é da situação vota 55, quem faz oposição vota 77. Não se discute efetivamente todos os prós e contras da alteração de forma que a população participe e possa traçar um diagnóstico definitivo depois de pesar todos os pontos negativos e positivos. A classe política que defende a mudança justifica a tese de que tal transformação é importante na integração do Acre ao restante do país. Na contramão desse argumento estão os que defendem que deve ser respeitada a decisão popular.
Há que prevalecer o fuso que esteja em harmonia com a classe operária, política e empresarial, se é que este fuso existe. Defendo a soberania popular, desde que o povo tenha soberania para fazer a sua própria escolha sem interferência ou tendenciosidade político-eleitoreira.
E assim seguimos nossa indefinida linha do tempo. Eu já acertei o meu relógio. Nem 77, nem 55, meu fuso é o do galo.
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