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Jornalista não é artista, embora há quem pense sim. Leia artigo

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Jornalista não é artista, embora há quem pense que sim. A começar pelo contracheque, sempre mais contra do que cheque. Mesmo assim, vez ou outra aparece um fã do que você escreve e reaparece a falsa sensação de que se é mais importante do realmente é. Foi o que aconteceu comigo. O telefone tocou na redação. “Seu Wolf, tem uma pessoa querendo falar com o senhor aqui”, avisou a mocinha da portaria do jornal. “Que merda”, pensei comigo, com o meu mau humor de costume. Respondi que podia subir. Dois minutos depois, a tal fã estava na porta da redação. E o meu humor mudou radicalmente, em um segundo.


Não sei o que andei escrevendo, mas pela qualidade da fã, merecia um Nobel: ela era morena, alta, vinte e poucos anos. Parecia recém-saída de um comercial de cerveja. Por via das dúvidas, olhei de lado para ver se não estava num set de filmagem. “Seu Wolf…”, começou ela. “Sim, todo seu”, interrompi. Ela sorriu e eu tive a ligeira impressão de ter ouvido os sinos da Capela Sistina, em Roma, tocarem. “Eu acho o máximo o que você escreve”, continuo a tiete dublê de coelhinha da Playboy. “Que é isso”, respondi, sinceramente envergonhado. “Se alguém tem que ser fã por aqui, sou eu de você.” Um novo sorriso se abriu no rosto anguloso e, sim, eram os sinos da Capela Sistina.


“Você é jornalista?”, continuei. Geralmente eram. “Não, sou cientista política.” Putz, cientista política. Além de ser a reencarnação de Rachel Welch no papel de Luxúria em Bedazzled, tinha leitura, o que se configurava numa mistura tão elaborada quanto fatal. Assim como os mais letais venenos. Na redação, as melhores conversas eram com as repórteres da editoria de Política. Quem milita nessa área acaba conhecendo a verdadeira natureza humana, algo como se um jornalista resolvesse se dedicar às ciências ocultas. “Queria dizer que sou sua admiradora”, continuou ela. “Gosto do seu trabalho, do jeito que você escreve, sempre com humor e um pouquinho de acidez.”

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Ela realmente me lia. O que já é mais do que meio caminho andado para me ganhar. “Subitamente”, respondi, “me deu uma vontade de discutir política”. Foi a senha. Combinamos de nos encontrar às nove da noite, no Ípiros, o bar na parte antiga da cidade. Ela deu um tchauzinho com a mão, girou no próprio calcanhar e desfilou até o elevador. Quando a porta do elevador se fechou, quase derramei uma lágrima de emoção. “Não é que às vezes ser jornalista tem suas vantagens”, pensei.


Pontualmente às nove estava no Ípiros. Tommy Drink, o garçom, me serviu uma dose dupla de uísque no balcão. Ele me conhecia melhor que meus pais. “Garota nova?”, perguntou, já sabendo a resposta. Consenti balançando a cabeça. Cinco minutos depois, Lillian Lust – este era o nome dela – surgiu na porta do Ípiros. Olhou para um lado, para o outro. Acenei com a mão. Ela me viu. “Gosto de homens pontuais”, disse a fã, sentando ao meu lado no balcão. “E eu, de mulheres que gostam de homens pontuais.” Cúmplice que era, Tommy Drink serviu um de seus coquetéis misteriosos sem mesmo que ela pedisse.


A noite terminou como esperado, no meu apartamento. Dançamos de rostinho colado ao som de um velho LP com a coletânea composta por Dudley Moore, a girar na radiola herdada do meu pai. Na base do dois para lá, um para cá, fui lentamente arrastando Lillian ao meu quarto. Ela então me empurrou na cama. Entrei no jogo. Lillian retirou o cinto que adornava o vestido vermelho e amarrou uma das minhas mãos. Com o meu cinto, amarrou a outra. Depois, subiu no colchão e se despiu.


Os sinos da Capela Sistina nunca reverberaram tão alto.


Fonte: Edgard Wolf/JC ON LINE


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