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Homens que trabalham na zona rural, são alvo preferencial da malária em Mâncio Lima

Aumento de malária no Juruá - Foto: Reprodução
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Pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da USP revela a demografia da transmissão da malária em Mâncio Lima, no Alto Juruá, uma das regiões do País com maior incidência da doença.


De acordo com o estudo do sociólogo Igor Cavallini Johansen, a população mais exposta é a que tem mais mobilidade entre os moradores e se desloca da cidade para a zona rural, numa distância de até 20 quilômetros, a partir do centro urbano.

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Eles são principalmente homens, em idade produtiva (entre 16 e 60 anos), estão entre os mais pobres da população, sem um emprego formal e se deslocam para trabalhar em atividades ligadas à agropecuária. Ao fazer mapas da região, mostrando para onde essas pessoas mais se deslocavam e onde estavam as localidades com mais registros de casos de malária, os pesquisadores perceberam que os dois mapas “conversavam”.


Em termos de políticas públicas esse mapeamento é muito importante, pois a pesquisa consegue mostrar exatamente onde estão as áreas mais sensíveis para a transmissão da doença, diz Cavallini em entrevista ao Jornal da USP. O estudo mostra também o aspecto urbano da malária na região.


O artigo Human mobility and urban malaria risk in the main transmission hotspot of Amazonian Brazil descreve o estudo e foi publicado em novembro de 2020 na revista científica PLoS ONE.


A pesquisa foi realizada entre 2018 e 2020. A malária é uma doença infecciosa causada pelos protozoários Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum (na região estudada, os casos vivax prevalecem). É transmitida pela fêmeas infectadas do mosquito Anopheles. Elas se infectam ao picar alguém com malária, em uma determinada fase da doença. Depois, ao picar outra pessoa, elas injetam o parasito na corrente sanguínea, infectando a pessoa e dando origem a um novo ciclo da doença.


O tratamento correto, feito à base de medicamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), interrompe esse ciclo. Em sua pesquisa de pós-doutorado, Cavallini fez visitas periódicas a Mâncio Lima, junto com a equipe do projeto temático, para coletar dados e entrevistar moradores. Entre as perguntas, era importante para ele saber onde a pessoa passava a noite, visto que o Anopheles tem dois picos de atividade: entardecer e amanhecer. Foram acompanhados cerca de dois mil moradores.


A análise realizada associa a mobilidade aos casos da doença a partir de dois aspectos. O primeiro são os moradores que se dirigem à zona rural para trabalhar. Podem ter uma pequena propriedade ou trabalhar para terceiros, perto da cidade. Esses moradores se deslocam até o local de trabalho e voltam diariamente ou ficam no local alguns dias ou até semanas, a depender do tipo de atividade que realizam. O outro aspecto são os moradores da zona rural que, diante dos sintomas da malária, vão para a cidade realizar o diagnóstico e obter os medicamentos. No primeiro caso, a pessoa é infectada durante essa permanência na zona rural. No segundo, ela está infectada e pode acabar transmitindo a doença ao ir para a cidade em busca de atendimento e tratamento, isso considerando que o vetor da malária também está presente na área urbana do município.


Em Mâncio Lima e na região, tanto na área urbana quanto na área rural, há uma série de tanques usados para a criação de peixes, fruto de uma política pública implantada no Estado do Acre, no início dos anos 2000, para a piscicultura se transformar em uma fonte de renda aos moradores. Porém, com o passar dos anos, muitos tanques foram abandonados e se tornaram ambiente ideal para a reprodução do Anopheles.


“Muitos tanques foram abandonados, mas permanecem lá. Quando esse tanque não é cuidado, tem vegetação nas bordas e incidência de sombra, é nesse ambiente que o Anopheles coloca os seus ovos. Ele precisa de água parada e sombra – e isso não falta nesses tanques. Por outro lado, se um tanque tem a manutenção adequada, não apresenta riscos de contribuir à reprodução do vetor da malária”, explica Cavallini.


Outro ponto que ajuda na ocorrência da malária urbana é a geografia da cidade. Mâncio Lima é uma cidade que tem forma linear, ela se estende em torno da Avenida Japiim, que corta praticamente a área urbana total. Essa formação alongada permite que parte considerável da cidade esteja muito próxima de área de vegetação primária, de mata fechada – um ambiente que o Anopheles gosta de utilizar pra poder se proteger e descansar após picar uma pessoa. Além dos tanques de piscicultura mencionados, esse é outro fator que facilita que o mosquito seja encontrado praticamente em toda a área urbana da cidade, conta o pesquisador.


Além disso, há vários igarapés que cortam a cidade e, em determinados pontos, são barrados natural ou artificialmente, criando ambiente adequado para a reprodução do vetor da malária.

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“Por um lado, a abertura de tanques para a criação de peixes criou um grande número de criadouros para anofelinos na periferia das cidades amazônicas. Por outro lado, os moradores das cidades frequentemente transitam em localidades rurais de alta transmissão, onde podem infectar-se. Assim, temos mosquitos e parasitos presentes na periferia das cidades, potencialmente se espalhando em áreas de população mais adensada. São elementos que propiciam surtos de malária em áreas urbanas”, destaca o professor Marcelo Urbano Ferreira.


O professor Marcelo Urbano Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e coordenador do projeto de pesquisa no Acre, comenta que esse quadro de malária urbana encontrado em Mâncio Lima pode reproduzir-se em outros centros urbanos da Amazônia, incluindo grandes cidades como Manaus e Porto Velho. “Por um lado, a abertura de tanques para a criação de peixes criou um grande número de criadouros para anofelinos na periferia das cidades amazônicas. Por outro lado, os moradores das cidades frequentemente transitam em localidades rurais de alta transmissão, onde podem infectar-se. Assim, temos mosquitos e parasitos presentes na periferia das cidades, potencialmente se espalhando em áreas de população mais adensada. São elementos que propiciam surtos de malária em áreas urbanas.”


Outros elementos tornam a situação ainda mais complexa: a malária assintomática e a subpatente. Na assintomática, a pessoa não apresenta sintomas (febre, calafrios, suores), mas, se for picada, pode transmitir o parasito.


A malária subpatente é aquele caso em que há tão poucos parasitos na corrente sanguínea a ponto de o exame mais convencional utilizado para detectar a doença, a chamada microscopia, não conseguir fazer o diagnóstico com sucesso. Porém, da mesma forma que na malária assintomática, se o mosquito picar a pessoa com malária subpatente, o vetor pode se infectar e transmitir a doença a outras pessoas.


O pesquisador ressalta que, desde o início da pesquisa, a equipe do programa de controle de malária do município o ajudou a compatibilizar o nome dos locais citados pelos moradores com os nomes oficiais das localidades. O sociólogo conta que, quando a pesquisa ficou pronta, ele fez um resumo apontando os principais achados e enviou para a equipe. “Eles tinham perguntas superinteressantes para o nosso trabalho, sugestões de como melhorar, e esse feedback a gente tem o tempo todo, é um trabalho conjunto e muito importante”, destaca.


Por fim, Cavallini aponta que, ao finalizar a pesquisa, os casos de malária na região estavam se reduzindo e destaca o papel do Instituto de Ciências Biomédicas para isso, apesar de não ser o objetivo principal do projeto. A cada seis meses, um grande número de moradores é entrevistado e testado para malária e, diante do resultado positivo, recebem a medicação. Com isso, o ciclo da doença é interrompido. O pesquisador também destaca o papel das políticas públicas para a redução dos casos, tanto pelo trabalho realizado pela equipe de controle da malária no município, como também pelo recebimento de recursos diretamente do Ministério da Saúde.


No entanto, o pesquisador alerta para um aumento no número de casos de malária falciparum na região, o que pode indicar algum problema na forma de diagnóstico da doença. Isso porque na malária vivax, logo que a pessoa é infectada, ela pode começar a transmitir, mesmo que não tenha sintomas. Na falciparum é diferente, a pessoa somente começa a transmitir alguns dias depois da infecção se iniciar. Quando o diagnóstico é feito, o tratamento interrompe a infecção antes mesmo de haver a transmissão. “Se os casos de falciparum estão aumentando, significa que o diagnóstico precisa ser realizado de forma mais eficiente”, finaliza. (Agência Fapesp)


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