Mesmo em meio às denúncias, governo do Acre diz trabalhar para reduzir deficiências e aponta melhorias nos dados; mortes representam menos de 3% dos nascimentos; MPE e MPF já abriram investigação e Polícia Civil instaurou inquérito para citar responsáveis por possíveis negligências; famílias já prestaram depoimentos e aguardam resultados
As mortes ocorridas e confirmadas nas dependências da Maternidade Bárbara Heliodora, em Rio Branco, já vivaram caso de polícia e são alvo de investigação do Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público Federal (MPF).
Documentos obtidos com exclusividade pelo ac24horas mostram a que passo anda a apuração das supostas negligências médicas e de atendimentos ocorridas na unidade de saúde da Capital.
Para ter ideia do quantitativo de mortes, o Ministério da Saúde apresentou um relatório completo comparando a quantidade de óbitos ocorridos em todo o estado, tendo Rio Branco o maior volume: 82 casos.
Numa rápida comparação com os números do ano anterior (2015), somadas as mortes dos 12 meses, o total é de 88 óbitos. Isso mostra que ainda em julho deste ano o quantitativo de 2015 já pode ser atingido, ou seja, em menos de oito meses podemos ultrapassar a marca do ano passado.
Diante da situação e das inúmeras denúncias feitas por usuários da Bárbara Heliodora, o promotor de Justiça Rogério Muñoz, da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde, resolveu solicitar à Polícia Civil do Acre que fosse aberto um inquérito policial civil onde responsáveis identificados serão listados.
Mas o inquérito foi solicitado por conta da morte de um bebê, ocorrida em 28 de abril. O fato gerou comoção popular e virou manchete jornalística. Não por acaso, para embasar o pedido de abertura de procedimento investigatório no MPE, o promotor utilizou uma reportagem do ac24horas.
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Os dados, segundo a assessora especial do governo, Suely Melo, retratam que o estado possui bons índices de sobrevivência pós-parto, principalmente os que nascem na maternidade de Rio Branco, onde quase 7 mil crianças nasceram em 2015, e apenas 86 morreram ou tiveram as mortes atestadas na unidade de saúde.
Crê a assessora que, na grande maioria, os bebês morreram porque as chances de se manter as vidas eram de fato muito pequenas. “A maioria das maternidades por aí apresentam uma taxa maior que essa. A morte do bebê pode estar ligada ao pré-natal, que ela não fez. As mortes não são naturais, elas precisam ser investigadas”, explica.
Segundo despacho interno assinado pelo promotor Glaucio Ney Oshiro, também da Especializada de Defesa da Saúde do MP, houve queda no número de mortes, isso quando comparados os dados colhidos entre 2000 e 2016, contudo, é necessário que se mantenha a fiscalização do hospital especializado em atendimento às gestantes da Capital e interior do Acre.
“Importante mencionar que, não obstante a diminuição, a situação ainda deve permanecer sob constante vigilância, na medida em que o Brasil e o Acre estão muito aquém de sua capacidade de prestar a devida atenção perinatal. Entretanto, o que há de se obtemperar é que as primeiras impressões sobre as notícias veiculadas são de que as condições de assistência estão piorando”, destacou Oshiro.
CASOS REPERCUTEM
Motivo para abertura de inquérito policial, a morte do filho de Cássia Cristina Souza e Leomar Oliveira, ocorrida no dia 28 de abril deste ano, na Maternidade Bárbara Heliodora, foi um dos que mais repercutiram desde o início do ano.
Foi por conta das críticas da população que o Ministério Público resolveu instaurar inquérito civil e apurar mortes na unidade. Leomar já prestou depoimento à polícia e disse esperar por alguma “novidade”. Ele preferiu não grava entrevista antes de ter as informações mais completas.
Como contou o ac24horas, o casal acusa o hospital de negligência médica pelo fato de o parto de Cássia ter sido feito quase 48 horas depois do rompimento da bolsa. Leomar Oliveira, que acompanhou a esposa durante toda a gravidez, contou ao portal que a espera se deu em meio ao clamor da gestante por uma cesariana, o que não foi levado em conta pelos médicos.
Diante do escândalo e da repercussão negativa do caso, a equipe gestora da Bárbara Heliodora convocou a imprensa para prestar esclarecimentos sobre o fato. Contudo, a situação ficou tornou-se ainda mais polêmica com as alegações de que o caso podia ser classificado como um “fato normal”, rotina numa maternidade.
“Na nossa conduta, se não há alteração do feto, é iniciada essa indução [do parto]. Isso pode demorar entre 24 e 48 horas, e essa paciente não apresentou nenhum problema. Quando a grávida apresentou trabalho de parto, foi levada para o centro”, justificou o médico Everton Santiago, diretor-técnico do hospital.
PARTO NA CADEIRA
Há pouco mais de 12 meses, uma mulher deu à luz ao filho numa das cadeiras da única maternidade pública de Rio Branco. A mulher, Simone Santiago, precisou esperar por mais de uma hora para ser atendida por um médico da Bárbara Heliodora. EM meio às dores e o cansaço, a mulher começou a sentir as dores do parto e, ali mesmo, sentada no banco da recepção, viu nascer o filho.
Na época, a direção da maternidade negou negligência médica e disse que tão logo ocorrido o parto todo o atendimento necessário foi dado à gestante. A unidade, além disso, afirmou que situações assim são, de certa forma, comum para algumas gestantes, pois algumas têm o trabalho de parto acelerado em comparação às demais grávidas.
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PROBLEMAS x INVESTIMENTO
Suely Melo, na contramão das denúncias, prefere chamar os problemas enfrentados pela Maternidade Bárbara Heliodora como “desafios”, o que, segundo a assessora especial, devem ser, tempo a tempo, “conquistados”.
Além de reafirmar investimentos feitos pelo governo, a ex-secretária de Saúde explicou que a média de óbitos da MBH é menos que 3%, número considerado por ela como positivo. Para a Amazônia a média seria de 17,8%.
“O Estado vem fazendo muita coisa. Nós estabelecemos a rede cegonha. Criamos uma articulação íntima entre o pré-natal e o parto. A maternidade é qualificada em alto risco, e não apenas habilitada. Foram seis concursos para conseguir profissionais. São quase novecentos médicos”, destaca.
Atualmente, confirmou a assessora especial, falta uma média de 16% dos medicamentos necessários na maternidade. Isso representa 59 itens, ou seja, tipos de remédio. Mas isso, segundo Suely, é consequência de uma “política de mercado” dos empresários brasileiros.
“Eu já levei essa questão para o Ministério Público, já denunciei para a Anvisa. Nossas licitações são desertas, você pode acessar e olhar. Como o quantitativo não é tão atraente, a pessoa não consegue agregar valor para vender. Essa política de mercado é cruel. Estamos sujeitos a vários problemas, e isso fragiliza a saúde”, alega.
Na verdade, a equipe médica é um dos maiores problemas enfrentados pela MBH atualmente. Durante os plantões, apenas um médico presta atendimento nos setores de UTI e UCI. “Não temos a reserva técnica [médicos] necessária. Outro desafio é abastecer em 100% o nosso rol de medicamentos da maternidade”, completa.