No curso de setenta e quatro dias da prisão e quarenta e cinco dias da soltura dos principais envolvidos da Operação G-7 – desencadeada pela Policia Federal que identificou um cartel que supostamente fraudava licitações para as maiores empresas do Acre – os principais agentes políticos envolvidos estão sumidos. Para saber onde eles estão e como estão, o ac24horas tentou ouvir durante a semana os amigos mais próximos, advogados e os próprios acusados. Pela primeira vez após o escândalo G-7 o ex-secretário de obras do governo de Sebastião Viana, o arquiteto Wolvenar Camargo, falou com um jornalista. Depois de amargar derrotas processuais na Justiça do Acre (onde teve negado pedido de soltura) e ser hostilizado e, apontado como o responsável pela engenharia criminosa que teria desviado cerca de R$ 4 milhões do Programa Ruas do Povo, Wolvenar Camargo, mesmo falando pouco sobre o caso, desabafa: “Fui utilizado como bode expiatório numa operação que tinha como alvo derrubar o governo de Tião [Sebastião] Viana”.
Faltavam 10 minutos para as 6 horas da tarde da última quinta-feira (01) quando Wolvenar atendeu a chamada da campainha de sua residência, no bairro Izaura Parente. Usando sandálias havaianas, uma blusa branca listrada e calça tactel, ele abriu o portão eletrônico de acesso aos veículos e permitiu a entrada da reportagem à sua casa. De cara faz uma exigência: “Eu falo com você sem problema nenhum, mas sem câmeras e sem gravador”.
E assim foi feito. No sofá de cipó na sala de visitas onde sentamos para conversar, o ex-secretário não deu espaços para perguntas. Com voz muitas vezes trêmula, olhos lagrimejando, Wolvenar se emocionou durante vários momentos. “Transformaram-me da noite para o dia em um bandido”.
De frente com a estante principal que exibe fotografias da família oriunda de Minas Gerais, o ex-secretário falou de sua trajetória até chegar ao Acre, das dificuldades que teve para se formar, sobre um câncer que enfrentou no auge de sua carreira e os problemas de saúde que ainda o atormentam. “Eu tenho muitos problemas de saúde, diabetes, coração, mas nada foi mais forte do que essa sacanagem que fizeram comigo”, desabafou.
Depois convidou a reportagem para conhecer os moveis da casa. A mesa de madeira comprada há décadas junto com um armário velho encostado na parede e um detalhe que chama a atenção: uma pintura envelhecida das cadeiras. “Eu poderia ter aqui uma mesa e um aparador moderno avaliado entre R$ 6 ou R$ 8 mil”, interrompeu. Abrindo ainda mais sua intimidade, mostrou a única churrasqueira enferrujada feita de roda de caminhão na área de acesso aos fundos do quintal e a piscina construída na outra extremidade do terreno.
“Essa casa eu construí quando trabalhava na iniciativa privada. Se fizesse os gostos dos empresários com quem me relacionei, minha vida era outra”, comentou.
E de fato não tem nada de luxo que possa fazer ligação com enriquecimento ilícito, como sugere o relatório da Policia Federal enviado a justiça do Acre. A casa de dois pisos é uma construção bem planejada do final dos anos 80. Wolvenar apostou em vários elementos rústicos além do revestimento na parede que parece manter o equilíbrio entre o velho e o novo. O que se viu na casa do mais famoso arquiteto de Rio Branco é muito bom gosto e toques que deixam o ambiente bem prazeroso.
Ao apontar para o projetor antigo de cinema colocado em destaque na parte superior da estante que reúne ainda quadros, luminárias e outros objetos em pares, ele voltou a se emocionar ao lembrar-se da descendência de italianos e da rotina vivida ao lado dos pais. “Meu pai conseguiu unir a família através do cinema. Tudo que eu mais preservei na minha vida foi meu nome, os meus filhos. Quando me acusam, atingem a mim e a minha família” [bateu forte com a mão direita na mesa de centro].
Com tom de voz baixo confessou que o pai esteve em Rio Branco no período em que foi preso. O pai de Wolvenar parece ter sido o único companheiro, além dos filhos a frequentar sua casa depois do episódio. “Meu pai foi embora esses dias (…) Minha vida tem sido assim: desse carro pra casa e de casa para o carro. Uma vez sai em público e uma pessoa fez um gesto com as mãos me acusando como ladrão. Foi terrível ver aquilo!” .
No breve silêncio informamos o objetivo de gravar entrevista com o ex-secretário. Ele respondeu que não gosta de aparecer. “Não sou de colunas sociais, não gosto de holofotes. Quero primeiro que você me conheça. Você é o primeiro jornalista que me procura após tudo que aconteceu. Quem me conhece sabe que sou inocente; primeiro você vai me conhecer, depois você pode escrever o que quiser”. Foi o acordo.
Apontado como o responsável pela engenharia financeira que desviou cerca de R$ 4 milhões de obras do programa Ruas do Povo, junto com empresários e agentes políticos, Wolvenar continuou sua indignação dizendo que não vai sair do Acre, terra onde viu seus filhos nascer. “Vou continuar aqui, depois de tudo isso quero provar a minha inocência e concluir a obra da Cidade do Povo, projeto que eu criei e que será o mais ousado programa de habitação desse governo”, garantiu.
Voltando ao Caso G-7, Wolvenar contou detalhes do momento de sua prisão, no dia 10 de maio. Ele disse que a equipe de reportagem da TV Globo chegou dez minutos após o delegado e agentes da Policia Federal entrarem em seu terreno. “Eu chamei os agentes federais e fiz questão de mostrar minha casa. Pensa que eles levaram alguma coisa daqui!”, exclamou.
Ao se despedir da reportagem nos poucos metros de calçada entre a varanda e o portão de acesso por onde chegamos, o arquiteto confessou sua solidão. Revelou que está separado e disse como está tocando a vida. Olhando para as plantas do jardim que transformam a paisagem sofisticando a área verde, Wolvenar disse que está trabalhando em três projetos particulares. Mas o carro importado na garagem, um cachorro de raça que vigia o quintal nem parece que aquele ambiente já foi um dos mais frequentados.
Sem permitir fotografias o ex-secretário autorizou a publicação de trechos da conversa de quase quarenta minutos comparando esse momento com os interrogatórios dados a Policia Federal, onde afirma ter pedido a quebra do sigilo bancário de todas as suas contas e das contas de sua família. Wolvenar acrescentou que nunca usou o direito de permanecer calado.
Mostrando firmeza encerrou a conversa com a seguinte frase: “podem me questionar no que quiserem porque vocês não vão conseguir me pegar em nada. Eu não tenho nada a temer”. E durante os 40 minutos não fez nenhuma acusação contra qualquer pessoa ou instituição.
Ao deixar a aquela residência já no cair da noite, sai com a certeza que estava diante da história de um homem triste que um dia foi feliz.
Jairo Carioca, da redação de ac24horas – Rio Branco