Daiene Cardoso – Agência Estado
Apontada como uma ameaça potencial à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva criticou a proposta de plebiscito para reforma política sugerida por Dilma ao Congresso Nacional. Em entrevista exclusiva ao Broadcast Político — serviço em tempo real da Agência Estado dedicado exclusivamente à cobertura política — , a principal liderança da Rede Sustentabilidade – partido em fase de formalização junto à Justiça Eleitoral – disse que o governo não entendeu o “clamor das ruas” e cometeu o equívoco de pensar “que um plebiscito feito de afogadilho” pode ser a resposta que a sociedade espera.
Bem posicionada nas pesquisas de intenção de voto, a terceira colocada na sucessão presidencial de 2010 associou a lembrança do eleitorado ao “desejo de mudança”. “Entre o discurso da tábula rasa e o da terra arrasada, há que se buscar uma alternativa”, frisou, citando que a inclusão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, na lista dos presidenciáveis é um claro sinal de que o brasileiro busca algo novo.
Marina advertiu que o cenário econômico brasileiro vive um momento ruim, com a combinação de baixo crescimento com a alta da inflação. “Talvez a queda de popularidade esteja preocupando mais a presidente e o PT do que deveria”, alfinetou. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A senhora está em meio ao processo de criação da Rede Sustentabilidade e inicia agora a etapa de validação junto aos Tribunais Regionais Eleitorais. Para quem teve 20 milhões de votos no último pleito presidencial não era de se esperar que a coleta de assinaturas fosse mais rápida? Que balanço a senhora faz desse processo?
Marina Silva – Bem, coletamos mais de 500 mil assinaturas em menos de 4 meses, acho que podemos fazer um balanço positivo. Não nos apoiamos em “máquinas” de qualquer tipo: políticas, administrativas, sindicais, nada. Contamos com uma atividade verdadeiramente coletiva e voluntária, com o ativismo autoral, a militância de milhares de pessoas que buscam uma nova forma de fazer política. Mesmo com um balanço altamente positivo, sabemos que ainda temos muito chão pela frente. Não apenas para validar as assinaturas e registrar a Rede, mas para imprimir na estagnada cultura política vigente, um novo DNA político, criar uma organização inovadora e enraizá-la nos variados terrenos do Brasil. Os desafios são enormes, que requerem muito trabalho e dedicação. Mas estamos tranquilos. Como dizia Leminsky, “distraídos venceremos”.
Como a senhora avalia as sugestões de reforma política encaminhadas pelo governo ao Congresso Nacional? O que seria melhor: plebiscito, como defende o governo, ou referendo, como quer a oposição?
Penso que não se pode tratar os temas das mobilizações como se fossem uma mera pauta de reivindicações. Isso mostra uma grande incompreensão do que está acontecendo e leva ao equívoco de pensar que um plebiscito feito de afogadilho pode ser a resposta que a sociedade espera. Como se pode achar que essa energia toda que vem das ruas pode caber em 5 perguntas? O que se espera do governo nesse momento é que veja a manifestação popular como a força propulsora capaz de ajudar a pactuar, com a participação de todos, uma agenda de compromissos para dar um novo rumo aos graves e inadiáveis problemas do País. No termo de referência enviado ao Congresso não há sequer uma proposta de quebra do monopólio exercido pelos partidos na política institucional, como seria a das candidaturas independentes, a exemplo de países como Itália, EUA, Chile e outros. Tanto o plebiscito pela metade quanto o referendo podem dar no mesmo problema, que é tentar remendar um sistema falido com respostas imediatas e superficiais, mudando alguma coisa para continuar mantendo o controle e o monopólio da política pelos partidos. Só vamos caminhar de fato quando o exercício da política for compartilhado por toda a sociedade. A reforma deve ser muito mais ampla.
Pesquisas divulgadas recentemente mostram uma queda brusca da popularidade da presidente Dilma Rousseff. A senhora atribuiria essa queda aos protestos das últimas semanas? E qual sua avaliação sobre o seu nome continuar bem posicionado nas pesquisas?
Os protestos não causaram a queda de popularidade, eles a revelaram. Não podemos imaginar que tamanha insatisfação tenha surgido do nada. Creio que há mudanças no sentir e no pensar da população que as pesquisas não conseguem detectar. Há insatisfações acumuladas que vão, aos poucos, forçando as poucas portas de saída e quando se tornam visíveis provocam impasses. Mas já estavam lá, em estado de latência. Quanto à lembrança do meu nome, acho que podemos também pensar na permanência do desejo de mudança que sinaliza novos desafios, como o do desenvolvimento com sustentabilidade. As pessoas sabem que é possível manter as conquistas já alcançadas e, ao mesmo tempo, quebrar a polarização destrutiva que paralisa o país. Entre o discurso da tábula rasa e o da terra arrasada, há que se buscar uma alternativa.
Os institutos de pesquisa também mostram uma boa avaliação do presidente do STF, Joaquim Barbosa. Como a senhora analisa essa percepção positiva do ministro do Supremo?
É um bom sinal, mais uma prova de que a sociedade busca alternativas produzidas fora do requentado prato-feito do atual sistema político partidário. É expressão de um incômodo com uma estrutura política que já exauriu a capacidade de tolerância da sociedade, com uma governabilidade torta que a tudo justifica e faz com que o Estado seja loteado em pedaços a serem distribuídos aos aliados. E é expressão de um desejo de justiça como sinônimo de combate a tudo o que é leniência, descaso e imunidades que produzem impunidades.
Os institutos de pesquisa e alguns possíveis candidatos à sucessão presidencial também colocam o retorno da inflação e o fraco crescimento econômico como principais motivos para o desgaste da imagem da presidente Dilma Rousseff. A senhora concorda com essa avaliação?
Quem viveu os tempos da inflação sabe que esse é um assunto que deve ser levado a sério, nenhum governo pode descuidar ou deixar que sua ansiedade por resultados de curto prazo afrouxem a vigilância. Mas, hoje, talvez a queda de popularidade esteja preocupando mais a presidente e o PT do que deveria. Há uma pauta de problemas e uma agenda de mudanças e reformas estruturais que o governo deve enfrentar. Não se pode governar com os olhos fixos nas próximas eleições. O governo ficou refém de suas promessas de crescimento econômico e insistiu em estratégias de crédito e desonerações que têm limites e, se usadas indiscriminadamente, geram sinais contraditórios e descompasso, por exemplo, entre política fiscal e monetária. Baixo crescimento com alta inflação é um cenário ruim para qualquer economia. Mas temos ainda bons elementos para superar esse momento de dificuldade. Contudo, é preciso descontinuar dois velhos vícios: a lógica da oposição por oposição, que consiste em atribuir todas as mazelas ao mau gerenciamento interno, sem considerar fatores externos que não dependem do governo, e a lógica da situação por situação, em que os governantes reivindicam para si a autoria de tudo o que está indo bem e culpam o ambiente externo pelos insucessos. Enquanto esses dois polos balizarem a discussão, a economia sofrerá o atraso da política.
Cresce no PT e em alguns partidos aliados o movimento “volta Lula”. A senhora está preparada para, eventualmente, disputar a sucessão presidencial de 2014 tendo o ex-presidente Lula como adversário?
Penso que todos nós, inclusive o ex-presidente Lula, precisamos estar preparados para enfrentar os grandes problemas do Brasil e do mundo no século 21. Minha contribuição ao debate tem sido essa: alertar para as características desses tempos e das grandes transformações, econômicas, sociais, culturais e ambientais, procurando alternativas e soluções, estratégias para um desenvolvimento sustentável. Sendo ou não candidato, exercendo ou não algum cargo ou mandato, cada um deve dispor-se a esse serviço: fazer prosperar as ricas possibilidades desse nosso exigente e instigante tempo.
Como a senhora vê a possibilidade do governo brasileiro contratar médicos estrangeiros para suprir a carência desses profissionais no País?
O problema não é apenas a contratação de médicos estrangeiros, mas a escassez continuada de qualificação profissional em vários segmentos. Acumulamos décadas de atraso na educação e não podemos dar respostas paliativas, achando que o crescimento econômico vai corrigir a situação mais adiante. Crescimento não é necessariamente sinônimo de desenvolvimento. A população está concentrada na faixa litorânea e nas grandes cidades, a renda é extremamente concentrada num extrato pequeno da sociedade, os recursos públicos orçamentários são concentrados na União, depois nos Estados e por último nos Municípios que é o lugar onde as pessoas demandam pelos serviços. Como poderiam os médicos estar distribuídos, em número e qualificação suficiente, se tudo está concentrado? São questões estruturais que não podemos desconsiderar. Não sou contra as medidas emergenciais que forem necessárias, mas acho que não podemos ficar apenas nelas. E a resposta para o longo prazo é investimento continuado na educação, a base da maioria de nossos problemas. A vinda de médicos estrangeiros deve ser feita com critérios e cuidados, como a análise e revalidação de seus diplomas, para dar à população a certeza de que sua saúde não está sendo colocada em risco.